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DAEMONIUM Vol. 2 - A Quimbanda no Renascer da Magia
2022
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Neste volume o tema do espírito assistente está presente como o pano de fundo do assunto central: como a Quimbanda pode contribuir para o atual renascimento da magia antiga?​

Como veremos nos ensaios deste volume, a magia moderna perdeu seu vigor, resultado do profundo estado de crise cultural que vivemos nos dias de hoje, onde as raízes de conexão com o nosso passado estão sendo cortadas, nos privando de toda herança cultural deixadas pelos gigantes de outrora, os quais nos debruçamos sobre seus ombros.​

Muitos magistas que perceberam essa árvore sem seiva da magia moderna começaram a dirigir seus esforços em resgatar as práticas mágicas da Antiguidade como àquelas dos Papiros Mágicos Gregos e o exercício da magia dos grimórios no Medievo, bem como a cosmovisão animista que dá vida e cor ao tecido da Realidade. Essa busca depende, como demonstrei no volume anterior e enfatizei novamente neste, da mudança na perspectiva mágica acerca do cosmos. Para compreender a prática da magia na Antiguidade e Medievo, é preciso olhar para esses períodos com os mesmos olhos do homem que viveu neles: o contexto cultural, econômico, político, religioso e social. Para isso nós recorremos à história, porque sob sua perspectiva todos esses aspectos culturais e outros são incluídos. Essa mudança de ponto de vista sobre o cosmos não é fácil. É difícil se libertar das associações e estrutura da Árvore da Vida, o pivô da magia moderna e que tem limitado as perspectivas mágicas de muitos magistas atuais.​

O foco de pesquisa dos volumes Daemonium é o conhecimento & conversação com o espírito assistente, o que necessita de uma visão daimônica e um estilo de vida correspondente, àquele do contato nu e cru com os espíritos. Trata-se de um estilo de vida goético de comunicação e zeladoria com os espíritos. Esse é o estilo de vida de um kimbanda brasileiro.​

O termo kimbanda é um vocábulo quimbundo que designa uma antiga posição sacerdotal nos cultos bantos; trata-se de um médico ritual e manipulador de forças vitais, um xamã curandeiro africano equivalente ao vocábulo congo nganga. Há uma distinção nos cultos bantos entre o kimbanda (médico ritual) e o muloji (vocábulo quimbundo) ou ndoki (vocábulo quicongo), feiticeiros cujas práticas objetivam malefícios.​

Com intenso intercâmbio entre as culturas africanas (bantos e yorùbás), brasileira (ameríndia) e europeia, a Quimbanda no Brasil desenvolveu-se em moldes muito parecidos ao rito congo do vodu haitiano (que possui amplas tecnologias mágicas para malefícios), fundamentalmente a linha denominada nàgô.​

O táta-nganga da Quimbanda no Brasil passou a incluir ambos os ofícios: o kimbanda (médico ritual) e o muloji (feiticeiro de malefícios), muito embora haja sacerdotes que descordem desse tipo de separação. Seja como for, o kimbanda no Brasil trabalha para cura ou para destruição.​

Para todos àqueles que se interessam em resgatar e reviver a magia da Antiguidade ou do Medievo, a Quimbanda é uma ferramenta mágica poderosa para restaurar as técnicas e práticas mágicas desgraçadamente perdidas na magia moderna, completamente essenciais e necessárias para o exercício e a compreensão da magia e cosmovisão apresentadas nos grimórios medievais, cujo foco do presente volume centra-se no que se conveniou chamar de magia demoníaca, o conhecimento e conversação com espíritos malignos, os demônios.​

A magia demoníaca medieval apresentada nos grimórios opera através das lentes da interpretatio romana, quer dizer, o paradigma demoníaco que plantou suas raízes nas primeiras eras do cristianismo e floresceu completamente na Idade das Trevas. Desse paradigma demoníaco nasceram os primeiros grimórios de convocação demoníaca prodzidos por intrépidos clérigos que se debruçavam sobre os estudos da Filosofia Oculta.​

A magia demoníaca se popularizou com o nome de goécia: operações de magia que visam o conhecimento e a conversação com espíritos inferiores ou infernais, quer dizer, demônios e espíritos dos mortos. Como veremos, a goécia como exercício necromântico remonta ao período clássico da Grécia antiga, muito anterior a interpretatio romana. Como vimos no volume anterior, à prática de conjurar, convocar ou repelir espíritos é universal na tradição arcana da magia. Xamãs, pajés e kimbandas têm feito isso desde tempos imemoriais. A interpretatio romana transformou qualquer tipo de espírito, maligno ou benfazejo, deuses e deidades de todas as culturas, em demônios, ou seja, espíritos cuja única finalidade é destruir a obra do Redentor.​

É essa classe de espíritos infernais que fizeram uma profunda incursão na Quimbanda, transformando-a em uma tradição brasileira de feitiçaria diabólica. Tudo na Quimbanda é diabólico e demoníaco. Por volta de 1950, como veremos, uma ponte foi estabelecida entre os Exus da Quimbanda e os demônios de um livro de feitiçaria europeu, o Grimorium Verum, que se popularizou por amenizar a comunicação com os espíritos infernais através da restauração de antigas práticas de feitiçaria, como pactos, sacrifícios e oferendas, técnicas desenvolvidas e refinadas pela Quimbanda para comunicação com mortos diversos e demônios do Grimorium Verum e Grand Grimoire, inicialmente.​

A maior parte dos ensaios deste volume, portanto, trata da contextualização da incursão diabólica que ocorreu na Quimbanda a partir da tradição erudita dos grimórios e da feitiçaria popular ibérica. 

Táta Nganga Kamuxinzela

 



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