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SANTO ANTÔNIO NA QUIMBANDA NÀGÔ

 

Por Táta Nganga Kilumbu 

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O cenário atual da Quimbanda aos olhos dos nossos ancestrais deve ser espantoso, levando em consideração a inserção de tantos elementos estrangeiros e ideologias «separatistas» que colidem com quaisquer práticas que sejam oriundas das Macumbas e Calundus. Existe um lugar para o satanismo na Quimbanda, àquele satanismo de tipo «universal» tratado no livro Ganga: a Quimbanda no Renascer da Magia de Táta Kamuxinzela, não o satanismo luciferiano anticósmico contemporâneo. A Quimbanda Nàgô não perde tempo e energia para combater as ideias e os pilares teológicos do cristianismo; em verdade pouco nos importa qualquer religião que seja, porque estamos concentrados no nosso crescimento individual como feiticeiros e na expansão do reinado do Chefe Império Maioral. A Quimbanda como inimiga feroz do cristianismo surge com a Quimbanda Luciferiana a partir de 2010. Se você leitor enxerga o Cosmos desta forma, então é melhor buscar a Quimbanda Luciferiana e está tudo bem. Mas não imponha, por outro lado, seu conhecimento flagelado pelas crenças religiosas das igrejas dentro de uma vertente que não está nem aí para isso. 

Quando a Quimbanda Nàgô começa se estruturar como culto religioso, ela surge como uma expressão fiel da Macumba carioca, trazendo em si os traços fundantes da formação da Macumbas, que se originaram da mescla de três grandes culturas religiosas: indígena, africana e europeia. Quando falamos de bruxaria europeia, devemos nos ater principalmente aos conceitos e práticas da feitiçaria ibérica como transmitida e demonstrada pelo O Livro de São Cipriano, e a prática «diabólica» ou «satânica» de associar Anjos e Santos, e até mesmo os nomes divinos da cultura judaico-cristã, aos ritos de trabalho com os demônios nas práticas de feitiçaria, onde os Santos passam a ser conjurados para trazer os benefícios místico-teúrgicos de purificação da Igreja Católica, mas também benefício seculares, como um bom casamento ou forçar alguém se enamorar por outrem. Oras, os famosos modelos de O Livro São Cipriano estão por aí espalhados, e sabemos que eles refletem na magia popular a bruxaria folclórica dos povos ibéricos; logo, uma passagem simples ali, já se explica muita coisa. Não se trata de catolicismo popular, se trata de feitiçaria do povo; é entender que tudo na natureza tem àṣẹ/moyo, da mesma forma como os bantos que quando se depararam com essas culturas em solo brasileiro, compreenderam a força que poderiam agregar em seu culto antropofágico. Entender isso é entender que tudo tem um símbolo; uma imagem pode remeter a algo, mas trazendo fundamento de outra coisa, basta saber preparar. 

De certa maneira sim, o chamado catolicismo popular é uma fórmula mágica profana, das pessoas comuns, onde benzedeiras, necromantes e feiticeiros do povo desenvolvem suas técnicas de curandeirismo, magia e espiritualidade para alcançar efeitos mágicos palpáveis; e sim, se olharmos bem atentamente, essa manifestação religiosa popular integra as bases da magia/bruxaria popular, estas mesmas que influenciaram o Espírito de São Cipriano, assim como diversos grimórios e práticas da bruxaria popular ibérica, aquela afastada das fórmulas eruditas mouras ou de origens salomônicas. O dito «luciferiano» ao ler isso já encherá sua boca ou seu texto de ódio em tentar bater de frente com tal premissa dizendo que somos «servos do demiurgo maligno», que «somos a quimbanda demiúrgica» e por aí segue as sandices que rondam o imaginário desse povo. Mas pare e pense: eu utilizar um nome de um ser sagrado para os católicos em uma prática que é veementemente proibida pelo catecismo, é «obra do Diabo», afinal as bruxas portuguesas o faziam, assim como os ciganos também o faziam e ainda fazem em suas magias.

Podemos perceber essa herança da feitiçaria popular, com práticas católicas reinterpretadas pelo povo, pelo feiticeiro e pela necessidade, como na figura de Santo Antônio sendo afastado do menino Jesus em seu colo, como um sequestro simbólico de que se o Santo não fizer determinada coisa – no caso arranjar um casamento – o menino Jesus (sua fonte primordial de poder) lhe será retirada. É como se fosse um sequestro mágico com a promessa da troca. Vemos também dentro da prática de afogamento da imagem do santo de cabeça para baixo, enquanto ele não traz a pessoa amada. Tudo isso é uma reinterpretação popular, baseada nessa feitiçaria popular, que pode e deve ser entendida e usada com parte da feitiçaria brasileira.

Mas se não concorda com isso, o Diabo que você acredita está fundamentado em que? Qual a pedra angular de conhecimento que você crê e coloca em oposições? 

Portanto, os antigos kimbandas ao observarem todos esses bruxos e feiticeiros português que vieram para cá em meio a toda sorte de gente, e ao notar a força espiritual destes nomes e seres, souberam manipular bem estas forças, a ponto até que em solo africano na época de Mwene Kongo, havia até um nkisi que surge de um santo, o chamado Ntoni Malau. Em verdade, a Quimbanda Nàgô é Macumba, e não um palco para satanista rebelde sem causa, que em maioria são todos revoltados contra o sistema ou contra o cristianismo; sendo que muitas das vezes não é incompetência religiosa, e sim incompetência pessoal mesmo. Espírito algum gosta de gente tola. 

Dentro da Quimbanda, em especial a Quimbanda Nàgô, existe a presença dentro do culto, ou melhor a herança da feitiçaria popular ibérica na qual o morto sagrado do catolicismo, i.e. um santo, alvo de muitos mitos e lendas – principalmente na região portuguesa e que chega ao Brasil repleto de «atos milagrosos», tal como se materializar em diversos locais ao mesmo tempo, o que aproximou os santos sincreticamente a Èṣú òrìṣà, o senhor dos caminhos, que se encontra em todos os limiares do àiyé – é cultuado. Igualmente, baseado neste tipo de sincretismo, Santo Antônio fora sincretizado também com Ògún òrìṣà, demonstrando sua força em defesa e proteção, pelo fato de ter salvo a Bahia de invasões estrangeiras segundo as crenças populares. Assim, o culto a este santo começa a se mesclar com elementos da magia popular europeia acrescida das virtudes de ambos òrìsà desbravadores dos caminhos. 

Como Táta Kamuxinzela demonstrou no livro Ganga: a Quimbanda no Renascer da Magia, o Exu-Diabo da Quimbanda possui todas as virtudes que esses dois òrìṣà, Èṣú e Ògún, carregam. A junção dessas virtudes, por outro lado, se concentra em um Santo-Exu: no fundamento de Santo Antônio de Quimbanda Nàgô. Assim como na cultura yorùbá Èṣú, a força espiritual de comunicação com todo o Cosmos, é deveras convocado para consagração de magias (oogun), para ẹbó, para despachar o ibi (negatividade) e os ajoguns (forças destrutivas do cosmos), de forma semelhante Ògún atua nos embates às forças contrárias à vida humana. O Santo Antônio na Quimbanda surge com essa força de ponto de equilíbrio entre as virtudes destes òrìṣà. É o fundamento que dentro da Quimbanda Nàgô atua literalmente como um ponto de sustentação da banda dos Exus, sendo saudado num ponto antigo: 

Eu não tenho Pemba,

não tenho nada,

segura corimba Santo Antonio,

está na hora de Exu,

segura a corimba Santo Antônio. 

Logo, o espírito de Santo Antônio dentro da Quimbanda Nàgô é um mistério, um fundamento bem profundo que não se resume apenas ao que está exposto aqui, pois não é possível revelar a totalidade dessa força. Mas este espírito que chamamos de Santo Antônio, que oras é associado ao Santo Antônio de Pemba, Santo Antônio da Limeira ou mesmo Santo Antônio Negro, atua dentro da Quimbanda. Por outro lado, é um fundamento que remete à sua formação, herança das Macumbas cariocas e da magia popular brasileira. Por este motivo, um kimbanda nàgô das antigas sempre possuíam o seu fetiche consagrado e ocultado na face de Santo Antônio, e os novos que seguem o exemplo e mantêm vivo os fundamentos dos antigos, detém também este totem feiticeiro. Não é ser católico, não é ser cristão; mas um feiticeiro tradicional brasileiro.




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