Por Táta Nganga Kamuxinzela
@tatakamuxinzela | @covadecipriano | @quimbandanago
Embora eu estivesse familiarizado com os autores modernos
do Ocultismo ocidental que têm escrito sobre o grimoire revival,[1] o meu impulso em
dissertar sobre o tema é mais fruto de minha experiência pessoal como ocultista,
magista cerimonial e kimbanda do que o interesse individual pela matéria de
estudo.
No livro Ganga: a Quimbanda no Renascer da Magia, eu
menciono que a Quimbanda Mussurumim possui uma linha de trabalho adjacente,
conhecida como cabala francesa ou cabala europeia. Nessa vertente de Quimbanda
não existe a associação direta entre Exus e os espíritos dos grimórios; no
entanto, é possível estabelecer comunicação com esses espíritos diversos dos
grimórios, anjos, demônios e outras hierarquias espirituais, através da prática
da magia cerimonial vitalizada pelas técnicas de feitiçaria da Quimbanda.
Diferente da Quimbanda Nàgo e Quimbanda Malê, onde as técnicas
e símbolos da magia cerimonial podem ser utilizadas a gosto do operador ou do
Exu tutelar no âmbito do trabalho mágico, na Quimbanda Mussurumim faz-se um
trabalho paralelo de acesso aos espíritos dos grimórios. Na prática, o operador
construirá dois templos distintos ou espaços diferentes de trabalho mágico: um
destinado as operações de magia na Quimbanda e outro destinado as operações de
magia cerimonial.
A fórmula mágica do espírito tutelar é mantida, i.e. é o
Exu Chefe do Templo o patrono ou padrinho do trabalho com magia cerimonial, e a
ele é erigida uma morada de poder na parte mais elevada do ambiente de trabalho.
Na magia cerimonial moderna, principalmente naqueles grupos influenciados por
thelema e Aleister Crowley, essa morada de poder seria erigida em nome do Sagrado
Anjo Guardião. Aqui a presença do Sagrado Anjo Guardião é completamente suplantada
pela presença do Exu tutelar, porque se a Quimbanda vitalizará o trabalho com
magia cerimonial, é a Exu que as honrarias primeiro devem ser oferecidas, e por
isso ele é alocado no local mais elevado do templo. No que tange a dinâmica
dessa linha de trabalho na Quimbanda Mussurumim, existe a prática que se chama individualização
do Exu, que é a vinculação do poder de um espírito dos grimórios convocado para
agregar a força do Exu tutelar. Isso também pode ser feito com espíritos de
mortos diversos. Na prática, a presença do morto (égún) e/ou do espírito dos
grimórios convocado, anjo ou demônio, fortalece o assentamento Exu tutelar.
E muito embora a formatação clássica de um templo de
magia cerimonial possa ser mantida, i.e. com a presença de tecnologias mágicas
como o círculo mágico e os quadrantes do espaço, estes são construídos e
vitalizados por meio da tecnologia mágica da Quimbanda. Ao operar a goécia
salomônica, por exemplo, no Sul poderá ser erigida uma morada de poder, i.e. um
assentamento de Asmodeus ou Ashtaroth, demônios associados ao quadrante Sul.
Com a presença dessas tecnologias, o quadrante Sul tornar-se-á verdadeiramente
uma zona de poder, um portal mágico de acesso aos espíritos daquela direção,
não apenas um símbolo psiúrgico A magia cerimonial vitalizada pela Quimbanda
sempre opera com a fórmula mágica do espírito tutelar e isso exige, portanto, a
confecção de moradas de poder para os espíritos, que serão assentados no
templo.
Na Quimbanda Mussurumim um trabalho especial é realizado
com Exu Rei Kaminaloá e Exu Ganga. Ao ser iniciado, o kimbanda começa a
realizar um culto de devoção magística a Exu Rei Kaminaloá, que opera como uma interface
direta com o mundo dos mortos, representado pelo símbolo do Cruzeiro das Almas.
Ao tornar-se um nganga, i.e. um sacerdote, o adepto inicia um culto de devoção
magística a Exu Ganga, que opera como uma interface direta com o mundo dos
espíritos, todos os espíritos. Na prática isso será feito com o oráculo da Quimbanda
Mussurumim, o Àlagbà de Exu, cujo espírito tutelar é Exu Ganga. Por meio desse
oráculo, portanto, é possível acessar com facilidade e segurança, por exemplo,
os espíritos olímpicos do Arbatel. O método é acessível aos iniciados. Estes
espíritos sendo acessados, podem receber oferendas, sacrifícios de animais, e
podem ser confeccionados assentamentos, talismãs, amuletos e pantacléias a eles
consagrados. Tudo com a força mágica viva da Quimbanda.
Então quando comecei a me debruçar sobre o trabalho de
ocultistas como Frater Archer, Jake-Stratton-Kent e Aaron Leitch, os pioneiros
mais conhecidos acerca do grimoire revival e a nova síntese da magia, percebi
que nós, brasileiros, estamos anos a frente deles neste mesmo campo de estudo e
trabalho, com a Quimbanda. Então muito antes de 2010 – quando Stratton-Kent
publicou seu épico Geosophia: The Argo of Magic, incitando inúmeros magistas a
reconhecerem a goécia como a única corrente viva que vitalizou e é ainda capaz de
vitalizar a moderna tradição mágica ocidental, assim como a incentivar a
revitalização da magia cerimonial a partir das tecnologias mágicas crioulas
afro-diaspóricas nas Américas –, nós aqui na Quimbanda, desde a década de 1950,
já empreendíamos o trabalho de unir as técnicas da magia cerimonial com seus
espíritos e símbolos, principalmente os diabos do Grimorium Verum,[2] com as
tecnologias mágicas da Quimbanda. Então para nós, brasileiros, não existe
novidade nenhuma aí.
A Quimbanda desenvolveu uma apurada tecnologia de magia
que compartilha a corrente mágica da goécia dos grimórios salomônicos (assim
como outros tipos de grimórios) e as técnicas e tecnologias da feitiçaria
tradicional brasileira. Eu sempre divulgo esse bordão: a Quimbanda só soma, ela
nunca diminui. Sendo a Quimbanda uma genuína tradição de goécia, como veremos
nesse livro, ela pode vitalizar a prática de magia cerimonial de qualquer
magista.
[1] O renascer da magia nos
grimórios.
[2] É por causa do Grimorium Verum, onde os espíritos são chamados de diabos, que
popularmente os Exus também são chamados de diabos.