Por Táta Nganga Kamuxinzela
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Magnetismo pessoal, carisma, poder de atração, de encanto, de fascinação e sedução são características de um indivíduo pleno, no sentido de identidade própria e integridade, fundamentalmente comportamental, porque são os comportamentos que revelam de verdade quem somos por dentro: o diabo mora nos detalhes, diz a sabedoria popular bem verdadeira, como veremos. Esse estado de plenitude que define um indivíduo magnético e carismático nas tradições de cabala crioula conhecemos com o nome de àsẹ, palavra yorùbá para a ideia de força vital. Na cultura yorúbá, que alimenta os fundamentos magísticos da Quimbanda Nàgô, tem uma sabedoria que diz assim: o comportamento é o maior preservador de àsẹ. Quando utilizo essa palavra, comportamento, não quero dizer conduta moralista, mas identidade própria, autenticidade. Para os antigos filósofos pré-socráticos, a ética (ou ethos em grego) trata-se do comportamento de alguém que já conquistou sua identidade própria, sua individualidade e integridade alinhadas à expressão do logos.
A pedido de alguns discípulos introduzirei quatro falhas comportamentais que drenam o quantitativo energético do veículo pneumático da alma (o perispírito dos espíritas, o corpo astral dos ocultistas, o corpo de luz dos hermetistas modernos etc.). Na Quimbanda essas falhas comportamentais estão associadas ao Povo ou Reino das Trevas. Como minha tarefa aqui é criar uma ponte de entendimento e troca entre a Quimbanda e o Ocultismo moderno, farei uma associação entre os Atus de Tahuti (arcanos do Tarot de Thoth), os Reinos da Quimbanda e as falhas comportamentais.
Para um entendimento do que está por vir neste pequeno opúsculo de meditação, é preciso levar em conta que os Reinos da Quimbanda tanto representam estados de alma em seus aspectos positivos ou negativos, bem como zonas de poder que concentram a atuação dos Exus e Pombagiras no Corpo de Maioral.
Magnetismo pessoal – Atu XIX: o Sol – Reino da Lira na Quimbanda
Sobre o Reino da Lira na Quimbanda eu fiz considerações abundantes no livro Ganga: a Quimbanda no Renascer da Magia. Sugiro a leitura. No curso da iniciação na Quimbanda, o ordálio associado ao Reino da Lira é – a emulação interna, individual e iniciática – àquela mesma do Culto de Orfeu: a morte, o encontro consigo mesmo nas Trevas da Lira, tornando-se um detentor dos mistérios, e por meio deles, um mestre da vida, ajudando outros a se levantarem das sombras. Por meio da obtenção de um mistério, um arcano de iniciação imerso na escuridão das trevas, obtêm-se a clareza da identidade própria, a confiança em si mesmo e a integridade de uma individualidade plena. No Atu XIX do Tarot de Thoth a figura hierática que ilustra esse sujeito, o mestre da vida que confia em si mesmo, é Heru-ra-ha, Senhor da Luz, Vida, Liberdade e Amor. Como Senhor do Novo Aeon este indivíduo pleno representa a completa emancipação da espécie humana, que é um aforismo do Livro de Thoth para a iniciação que ocorre da união de dois princípios complementares, um luminoso (Ra-Hoor-Khui) e outro obscuro (Hoor-paar-kraat) e a realização da Grande Obra.
O Atu XIX do Tarot de Thoth representa um indivíduo radiante, magnético, pleno, íntegro, luminoso, realizador nos mais distintos campos da vida, o arquétipo imagético da materialização de um indivíduo magnético, um indivíduo que confia em si mesmo. O Reino da Lira está associado a força planetária do Sol e ao fogo luciférico do despertar espiritual. É por isso que o Exu Rei da Lira é associado a Lúcifer, representando uma opulência plena, prístina e radiante de realeza espiritual.
A falta de confiança em si – Atu 0: o Louco – Reino das Trevas na Quimbanda
O Povo das Trevas está presente – de certa maneira – dentro de todos os Reinos da Quimbanda, representando seus aspectos sombrios. Na Cabalá de Exu, o oráculo da Quimbanda Nàgô, ele está diretamente associado ao Reino da Lira (Sol) e ao Reino dos Cemitérios (Marte); como Reino das Trevas propriamente dito, acolhe uma legião de Exus e Pombagiras distribuídos em povos. No Reino da Lira o Povo das Trevas está associado a todo tipo de vício, dependência e comportamento degradante, desonroso e indigno, o que o conecta diretamente com o Atu XV, o Diabo no Tarot de Thoth (como veremos adiante). Mas aqui quando o Povo das Trevas está associado ao Atu 0, o Louco, representa o indivíduo perdido, que não sabe o que quer ou para onde vai; que não conquistou a maestria da vida e ainda não compreende a si mesmo e, portanto, também não confia em si mesmo. A falta de confiança em si mesmo é o resultado direto de uma falta de definição interior e de encontro consigo mesmo, a indefinição do que verdadeiramente se é por dentro.
Um indivíduo radiante (Atu XIX, a opulência do Reino da Lira) é um indivíduo confiante, cativante, fascinante, apaixonante, quer dizer, magnético. Um indivíduo que não confia em si mesmo é um indivíduo perdido, que desconhece a si mesmo (Atu 0, o devaneio do Reino das Trevas), inseguro perante a vida e as relações interpessoais. A coragem e a auto-confiança são virtudes de um sujeito que conhece a si mesmo e essas virtudes são magnéticas, atraentes e fascinantes.
Aqui voltamos ao ordálio órfico do Reino da Lira que é a realização da Grande Obra: a descoberta de si mesmo e a expressão individual total da verdadeira vontade. É a verdadeira vontade e a ação no mundo decorrente dela, o comportamento luciférico, o eixo central do magnetismo pessoal. É o encontro e a expressão total do si mesmo.
Conduta danosa – Atus XIII e XV: a Morte e o Diabo – Reino das Trevas na Quimbanda
A natureza torpe da mente costuma consumir o indivíduo, uma inclinação ou conduta danosa em relação a si mesmo, um estado perpétuo e sombrio de negatividade. Os Atus XIII (Morte) e XV (Diabo) conduzem a Tiphereth na Árvore da Vida, seu eixo solar central, a consciência humana plenamente desenvolvida: mente (pensamento) e corpo (êxtase/deleite) plenamente em harmonia. No Reino das Trevas esses Atus representam o apego aos vícios, aos rancores da alma, o remoer de tristezas e amarguras, traumas e acontecimentos que trouxeram dor e prejuízo. Nesse caminho, nessa visão torpe e sombria da existência, o indivíduo se chafurda em frustrações de todos os tipos, vícios e comportamentos degradantes, imerso em mazelas mentais diversas: delírios, fantasias etc. de alta ou baixa envergadura. Todos esses aspectos sombrios estão associados ao Povo das Trevas no Reino da Lira e no Reino do Cemitério, bem como aos aspectos danosos ou negativos dos Atus XIII e XV.
Mas o Atu XIII também é transformação e o Atu XV também é impulso priápico. Quando o fogo luciférico interior é aplicado a essas dois Atus, nasce um impulso de transformação e ambos conduzem suas forças para convergência em Tiphereth. É quando brilha o Archote de Luz Negra na Coroa do Chefe Império Maioral. A conduta do kimbanda é tornar-se um bode negro-reluzente de luz, diz Exu Pantera Negra. Na Quimbanda o Exu Rei da Lira traz a força luciférica de vitória sobre a ignorância espiritual. Ele é o Chefe do Reino da Lira, representado na Cabalá de Exu como o último Reino, refratário do poder solar e do despertar espiritual.
Fofoca – Rainha de Espadas – Reino das Trevas na Quimbanda
A conduta dissimulada, inverossímil, desonrosa, maledicente e perversa define as ações de um indivíduo representado pela Rainha de Espadas no Tarot de Thoth quando mal dignificada. Na Quimbanda existe um adágio que diz: a palavra de um kimbanda não é como a casca de um ovo que se quebra. A palavra na Quimbanda é de muita importância, porque a tradição preserva a relevância do poder mercurial e criador da palavra. Trata-se da força mercurial do Reino das Encruzilhadas e marcial do Reino dos Cemitérios utilizada para destruição jocosa e pervertida por uma mente de comportamento desordenado, associado ao Reino das Trevas. Fofoca, maledicência ou correio da má notícia é um comportamento do Reino das Trevas atuando dentro do Reino das Encruzilhadas (Mercúrio) e do Reino dos Cemitérios (Marte).
A fofoca é drenadora de força vital; é elemento desagregador de àsẹ. O indivíduo maledicente e fofoqueiro se esquiva de suas próprias mazelas internas, obscuridade e ignorância espiritual criando espantalhos, sacos de areia artificiais com os quais pode lutar e ao mesmo tempo ter a garantia de que não será revidado. É um covarde! Um indivíduo cujo traço peculiar de personalidade é fazer fofoca e espalhar o correio da má notícia é um sujeito que não confia em si mesmo e, portanto, não é de confiança alguma, pois não se confia em alguém que não confia em si mesmo. Quem fala mal dos outros de forma incontrolável, tenha certeza, não resistirá a tentação de falar mal de você com os outros. Se existe algo que corta o àsẹ é a fofoca e a maledicência.
O caminho do silêncio é uma virtude desenvolvida tanto no Reino dos Cemitérios quanto nas profundezas escuras do Reino das Matas. Ele fortifica e preserva o àsẹ e deve ser buscado na sabedoria dos Exus e Pombagiras desses reinos para superação do comportamento torpe da fofoca.
Egocentrismo – Cavaleiro de Espadas – Reino das Trevas na Quimbanda
O Cavaleiro de Espadas em seu aspecto mal dignificado é a expressão de um indivíduo completamente desmagnetizado, drenado, e que portanto, torna-se completamente incapaz de realizar ou agir em função de outra pessoa que não seja ele mesmo. Ele é ausente de vigor e de todas as qualidades, incapaz de decisão ou propósito. O sujeito que quer tudo para ele, que quer o universo girando ao redor de seu umbigo, está imerso no Reino das Trevas dentro do Reino das Águas/Praia (Vênus), cujo poder de atração é utilizado completamente para fins de espiritualidade predatória (vampirismo).
Exu é comunicação. A comunicação bem sucedida, desenvolvida com os poderes mercuriais do Reino das Encruzilhadas, partilha, distribui e, fundamentalmente, semeia. Isso produz e preserva àsẹ. As virtudes (ou espíritos) dos tratos, pactos, compromissos e juramentos de cultivam no reino das Encruzilhadas, nas diversas possibilidades dos estrecruzamentos vibracionais.
A falta de confiança em si mesmo, a conduta negativa e
depressiva, a fofoca e o egocentrismo estão aglutinados no Reino das Trevas na
Quimbanda, presentes nos outros Reinos como o aspecto negativo deles, mas ao
mesmo tempo a cura que se deve buscar neles, porque são espíritos
desagregadores de força vital, de magnetismo pessoal.