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VAMPIRISMO: ESPIRITUALIDADE PREDATÓRIA NA QUIMBANDA

 

Por Táta Nganga Kamuxinzela

@tatakamuxinzela | @covadecipriano | @quimbandanago


Quem não pode com mandinga não carrega patuá. Esse ditado tradicional da cabalá crioula expressa bem o tema que agora abordaremos nessa reflexão, pois os mortos têm fome e caso o kimbanda não dê conta de honrar seus juramentos de iniciação, então àquela tecnologia construída para ele com a finalidade de vitalizar a sua alma, passa a drenar completamente as suas energias. 

Muitos têm solicitado que eu aborde a questão das ações vampíricas de Exu e Pombagira na Quimbanda, na relação que se estabelece entre o Exu tutelar e seu adepto. Mas antes de adentrar ao tema, vamos refletir no que tecnicamente é o vampirismo: feiticeiros com a capacidade de se alimentar ou consumir a força vital de outras pessoas, de uma egrégora ou ambiente, são conhecidos como vampiros. Isso é chamado de espiritualidade predatória, quer dizer, a ação ritual de cercar e consumir a força vital para o seu próprio crescimento. Feiticeiros assim absorvem e drenam a força vital de outras fontes através de feitiços, por meio da ação de algum Exu, égún ou kiumba, e até mesmo por meio dos sonhos. Em outras palavras, a espiritualidade predatória é o ato de devorar a força vital para tornar-se mais forte, e a isso damos o nome técnico de vampirismo. 

Adeptos de Exu Morcego, um espírito com amplo conhecimento de feitiçaria das sombras, acabam por desenvolver essa capacidade: enriquecer sua própria força vital por meio do dreno da vitalidade de outras pessoas. O vampirismo é uma prática de feitiçaria, uma técnica para evocar e dirigir forças sombrias poderosas com a finalidade de penetrar o veículo pneumático da alma e drenar toda sua vitalidade. 

Não existe Quimbanda sem sangue; o sacrifício, a imolação de um animal para honrar Exu e Pombagira, é o eixo teúrgico da Quimbanda e de seu ofício sagrado advém os fenômenos mediúnicos mais importantes. Ocorre um processo alquímico profundo na alma durante o sacrifício; essa alquimia é tão poderosa que liberta o kimbanda de ações alienadas e submissas no mundo, despertando poderes predatórios em seu interior que o acordam para a verdadeira realidade da natureza. 

O sangue carrega todo potencial de vida e de ancestralidade; por esse motivo ele é tido como elemento essencial e valioso na nutrição de Exu e Pombagira. Ao passar pela cerimônia do batismo, o adepto recém-iniciado recebe um vulto de seu Exu tutelar, uma firmeza como um pequeno bebê que acaba de nascer. Esse vulto é nutrido com força vital até que cresça e se torne um assentamento definitivo para o espírito com o tempo. O assentamento é uma tecnologia de comunicação com o Exu tutelar e nele será vertida a seiva vermelha para que ele possa adquirir vida. Isso significa que o Exu precisa ser nutrido para ganhar força e, no tempo certo de amadurecimento, devolver ao adepto a força vital que nele é depositada. Essa é a verdadeira aliança que o kimbanda estabelece com seu Exu tutelar. O sangue não só verte vida no assentamento e energiza o Exu, ele também estabelece uma conexão profunda entre ambos: sangue é uma poderosa fonte de energia para romper as barreiras entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos. Através do sacrifício o adepto se aproxima mais e refina sua comunicação com o Exu tutelar. 

A partir do momento que o adepto começa a oscilar demonstrando inaptidão em sua jornada na Quimbanda, negligenciando seu juramento e compromissos assumidos com Exu, então o assentamento, o fons vitae que provê sustento ao kimbanda, torna-se um buraco negro. É a vitalidade exclusiva do adepto que passará a sustentar a aliança entre ele e o Exu tutelar: sangue por sangue, vida por vida. A cada sacrifício de sangue vertido no assentamento de Exu renova os laços entre ambos, construindo um equilíbrio harmônico de crescimento e prosperidade. A libação, uma ferramenta sacerdotal de sacrifício aos deuses tão antiga quanto o próprio homem, é uma das práticas fundamentais na relação que se estabelece entre o Exu e seu adepto para harmonização da força vital compartilhada por ambos. Existe um entendimento universal no pensamento religioso da Antiguidade e que sobreviveu nas tradições africanas, de que alimentando a terra (ancestralidade) com sangue, ela nos devolve com vitalidade, renovação e prosperidade. 

Uma sabedoria que vem de Exu Sete Catacumbas: você faz ou você não faz; você confia ou você não confia. Isso significa que não existem meios termos na relação que se estabelece com Exu. Então, quem não pode com mandinga não carrega patuá.

 




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