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BRUXA DE ÉVORA NÃO É KIUMBA

 

Por Táta Nganga Kamuxinzela

@tatakamuxinzela | @covadecipriano | @quimbandanago


Toda Quimbanda é cipriânica. Eu tenho falado isso desde que comecei a escrever sobre Quimbanda em 2019. No segundo volume do Daemonium, publicado em 2022, eu fiz uma introdução concisa acerca da profunda influência da feitiçaria ibérico-cipriânica na Quimbanda. Duas Pombagiras importantes derivam diretamente de O Livro de São Cipriano: Maria Padilha e Bruxa de Évora. Mas essas Gangas da Quimbanda são de natureza distinta. A Señora Maria de Padilla de Castila (1334-1961) foi uma personagem da corte do rei Dom Pedro I de Castila em plena Espanha medieval; tendo o enfeitiçado por magia amatória, foi exilada na África onde aprendeu os mistérios da feitiçaria crioula, para depois tornar-se uma diáboa na cultura popular ibérica e posteriormente uma Pombagira de alma na Quimbanda. Maria Padilha não aparece apenas nos feitiços de O Livro de São Cipriano, mas também nos autos dos processos da Inquisição portuguesa, que começou em 1536 e foi extinta em 1821. Maria Padilha foi a primeira Pombagira da Quimbanda e tornou-se não apenas sua guardiã, mas também sua patrona. Ela entrou na feitiçaria brasileira desde a Macumba carioca, para depois aparecer nas vertentes tradicionais nascidas da primeira onda entre 1950 e 1970. 

A Bruxa de Évora, por outro lado, é apenas um mito derivado de O Livro de São Cipriano a partir da história fictícia da bruxa Lagarrona, narrada em um livro de 1739, cuja autoria é de Amador Patrício: Histórias das Antiguidades de Évora. Sua aparição na Quimbanda é recente, a partir das vertentes de segunda onda entre 1970 e 1990. Como se trata de um mito e não de uma personagem real que esteve encarnada em dado momento no reino da geração, ela se tornou uma Pombagira elementar ou artificial e, portanto, impossível de ser um kiumba. 

Na Quimbanda um kiumba trata-se de um égún com profundo conhecimento de feitiçaria e, portanto, um manipulador de força ódica assim como os Espíritos Ganga, os Exus e Pombagiras. Todo feiticeiro, independente da corrente de trabalho, que não consegue deificar sua alma, acaba por se tornar um kiumba. Uma vez que Bruxa de Évora nunca se tratou de uma alma encarnada no reino da geração, é simplesmente impossível que ela seja kiumba. 

Na Quimbanda operam três tipos de espíritos fundamentais: i. Exus, que são almas deificadas; ii. Exus-Encantados, que são espíritos da natureza, também chamados de elementais; iii. Exus-Servidores, que são espíritos artificiais, também chamados de elementares, i.e. que foram criados pelo homem a partir das técnicas de magia, como o golen judaico ou o homúnculo alquímico. A Pombagira Bruxa de Évora é um espírito dessa terceira categoria, assim como o é o Exu do Ouro (veja meu texto 11 Aforismos para Entender a Quimbanda), que também só aparece na década de 2000, associado ao trabalho do umbandista Rubens Saraceni (1951-2015). 

O engano de confundir Pombagira Bruxa de Évora com kiumba vem da associação indevida que se fez entre ela (que apareceu nas vertentes de segunda onda) e a Linha Mista das vertentes tradicionais de primeira onda, onde operam kiumbas a serviço dos Exus. Um dos grandes problemas que a Quimbanda enfrenta é essa confusão que se faz entre os fundamentos e mitologemas de vertentes de primeira, segunda e terceira ondas, nascidas em contextos culturais completamente distintos num período de setentas anos, que começou na década de 1950 até os dias de hoje. Cada uma das três ondas de surgimento das vertentes de Quimbanda, 1950-1970, 1970-1990 e 2000-2020, apareceram em contextos culturais e de imaginário simbólico distintos. Por exemplo, as pautas políticas de polarização, que só começaram a partir de 2010 com o surgimento da cultura woke e a importação de suas pautas ideológicas para o Brasil, só são disseminadas nas vertentes de terceira onda como a Quimbanda Luciferiana e a Quimbanda Kongo. Essas pautas, como demonstrei no texto 11 Aforismos para Entender a Quimbanda, não existem nas vertentes tradicionais como Nàgô, Mussurumim ou Malê. 


 




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