Tem sido veiculado na internet que as mulheres têm de ter mais lugar de fala na Quimbanda. Negativo! O lugar de fala na Quimbanda é do Mestre! Caso a mulher se desenvolva na hierarquia do culto, i.e. caso a médium iniciada (kimbanda) evolua nos estágios que compõem a estrutura do sistema do culto progressivamente, pelo mérito próprio de suas conquistas e desenvolvimento mediúnico, tendo demonstrado honra, coragem, intrepidez, resiliência, continuidade de propósito, lealdade e se torne uma Mestre, uma mametu, então como Mestre ela conquistou o lugar de fala. Antes disso, como com qualquer homem, ela escuta e cala a boca!
A Quimbanda se desenvolveu a partir da década de 1950 como um culto secreto e iniciático, de caráter genuinamente mágico, sem nenhum agregado ideológico-político. Como a Quimbanda de modo geral se desenvolveu a parte e, podemos dizer, como efeito colateral da formação doutrinal umbandista, seus núcleos buscaram discrição, na intenção de preservar os segredos mágicos que foram aleijados da Umbanda. Os kimbandas, i.e. praticantes da Quimbanda, a tinham como uma arma mágica através da qual eles podiam superar as inúmeras dificuldades sociais e afirmar como prioridade fundamental suas necessidades individuais, as quais eram supridas incondicionalmente através da relação direta que se estabelecia com Exu e Pombagira.
É assim que eu aprendi Quimbanda e é assim que eu a transmito: como uma corrente mágica de libertação individual, de modo que capacita a qualquer um, independente de raça, ideologia política ou escolha sexual, a superar as inúmeras dificuldades que o «sistema» nos impõem, dificultando o exercício de nosso potencial individual. A Quimbanda coloca as nossas necessidades individuais como superiores as dos demais, de modo que podemos usá-la para conquistar tudo o que necessitamos e desejamos. Um kimbanda é egoísta, de modo que suas necessidades e desejos vêm sempre em primeiro lugar. Na obra que promulgou a Quimbanda como uma nova síntese da magia, Aluízio Fontenelle (1913-1952) alerta àquele que se vê a margem da Lei de Umbanda da seguinte maneira: O teu pensamento aí está completamente errado, e será preferível que mudes a casaca e te passes para a Quimbanda, pois é nela que deves trabalhar, pelo fato de que a Magia Negra acoberta todos os corações recalcados de ódio e de vingança. (Exu, Gráfica Editora Aurora, 1954, pp. 40) Quimbanda é feitiçaria tradicional brasileira! Seus métodos são simples, codificados a partir da herança cultural africana (raça negra), europeia (raça branca) e brasileira (raça indígena). Seus feitiços carregam a força (nguzo) ancestral da magia e feitiçaria dessas três raças.
Universalmente, a feitiçaria cumpre uma finalidade: capacitar o homem, fraco diante da Natureza e da sociedade, de modo que, preparado e armado, possa superar os obstáculos e intempéries da vida material e conquistar todos os seus objetivos! Trata-se, portanto, de uma «ferramenta mágica» para «modificação» da realidade, do entorno; para «intervenção» na ordem natural do cosmos. O que a Quimbanda oferece é um sistema de feitiçaria capaz de «transformar» o caos em um cosmos inteligível e manipulável.
O feiticeiro da Quimbanda, i.e. o kimbanda, é um agente social. Com as ferramentas da feitiçaria, ele auxilia os fracos a lutarem e vencerem seus impedimentos na vida, sejam eles materiais, espirituais ou emocionais. A feitiçaria encontrou no meio urbano, na intricada rede de paixões humanas e desigualdades sociais, o local ideal para seu ofício.
Então eu gosto de dizer: Exu é Faca! Faca é Arma Mágica, não ferramenta de militância ideológica. Agora muita atenção aqui: a Quimbanda é um culto de feitiçaria diabólica e demonológica. O ícone central da Quimbanda é o Diabo na forma teriomorfa de Baphomet, nomeado Maioral dos Infernos. O Diabo sempre representou o Capital e, portanto, a conexão total com a matéria, a riqueza, a abundância, a fartura, a prosperidade financeira.
A família Cova de Cipriano Feiticeiro zela pela transmissão da Quimbanda como ela é: o exercício de capacitação e aprimoramento magístico.
Técnicamente a Quimbanda é uma arte tradicional de feitiçaria brasileira. Seu escopo de atuação magística abarca os seguintes exercícios:
Feitiçaria: arte e ciência de manipulação e projeção energética por meio de bases materiais.
Magia: arte e ciência de causar mudança na Natureza em acordo com a vontade por meio de um agente espiritual. No caso da Quimbanda, Exu, Pombagira e demônios diversos.
Bruxaria: arte sincrética, mística ou mágica, que deriva suas práticas de fontes culturais e regionais diversas aonde se encontra, cujo ícone simbólico de reverência é o Diabo no meio da encruzilhada.
Necromancia (necrurgia): arte de comunicação com os espíritos dos mortos para fins de divinação e magia.
Nigromancia: derivação medieval de necromancia (comunicação com os mortos), acrescida da significação de magia negra demoníaca, i.e. magia para fins malignos por meio do contato com demônios.
Goécia: comunicação com espíritos dos mortos e demônios para fins de magia e divinação.
Demonolatria: reverência mágico-religiosa a demônios.
Como arte de feitiçaria, o objetivo da Quimbanda é o progresso de seus adeptos; trata-se, portanto, de uma ferramenta mágica para superação de obstáculos, transformação e aperfeiçoamento pessoal, com a finalidade de torná-los Mestres da Vida, i.e. indivíduos preparados para sobreviver na Natureza (cosmos). Este preparo para sobreviver habilmente na Natureza é representado simbolicamente pela Faca do Mestre, consagrada e imantada com a força transformadora do espírito da morte.
Maioral, a deidade regente da Quimbanda, não é uma entidade, mas uma «força mágica» fluída, daí a ideia de «luz astral» ou «agente mágico universal». Os Exus e Pombagiras são os «agentes de manipulação» dessa força mágica fluída que pulsa pelas encruzilhadas. Em cultos vastamente antigos esquecidos nas brumas dos tempos, essa força mágica foi chamada de Alma do Mundo, que a tudo permeia e a tudo provê possibilidade. A Quimbanda, podemos dizer romanticamente, é um culto brasileiro moderno a Alma do Mundo na forma de um diabo, representado iconograficamente pelo Maioral de Eliphas Levi no centro da Encruzilhada de Fogo.
O objetivo último da Quimbanda, motivo pelo qual ela existe de fato, trata-se do aperfeiçoamento da arte de manipular as diversas correntes de energia dentro da Alma do Mundo, o Corpo de Maioral, o Diabo, modificando os padrões da Natureza, definindo o caminho do feiticeiro com liberdade e autonomia. O kimbanda, assim, não «resiste» aos padrões de força da Natureza (cosmos), ele apreende o seu movimento, fluxo e fluidez, manipulando-os em acordo a sua vontade com a ajuda de Exu.
A Quimbanda, na condição de ferramenta mágica para o progresso individual do adepto, só soma! Atenção aqui: a Quimbanda não diminui! Seja você adepto do Iṣéṣé Làgbà ou Ifá, do Candomblé, Umbanda ou Catimbó, do Batuque, Mina ou Omolocô, do Santo Daime, Barquinha ou União do Vegetal, da Maçonaria, Rosa Cruz ou Eubiose etc., a Quimbanda só soma! O adepto não precisa renunciar absolutamente nenhum espírito ou pacto para estar na Quimbanda e se beneficiar de sua ação mágica.
A Quimbanda se trata de forjar laços profundos de conexão com os Exus e Pombagiras através de um processo de «comunicação» que envolve a «troca» ou «permuta energética». Tradicionalmente o «bom» adepto é àquele provê mais e melhor para o Exu, recebendo o retorno da ação mágica do espírito. O «mau» adepto é àquele que descuida da «comunicação», o que é um comportamento inadequado.
Como Arte de feitiçaria a Quimbanda manipula correntes de energia, i.e. as correntes mágicas que se movimentam em direções ou fluxos distintos dentro corpo do Chefe Império Maioral nos três reinos primordiais: ctônico, telúrico e aéreo. As tecnologias espirituais da Quimbanda são produzidas dentro dos protocolos da Arte: trata-se de operações que envolvem processos mágico-energéticos na intenção de produzir medicinas ou «alquimias» para a manipulação dessas correntes de energia cujo objetivo serve a diversos fins.
Trata-se de uma Arte porque através de seu exercício a maestria na vida pode ser conquistada. Em outras palavras, a Natureza (i.e. o cosmos) apresenta inúmeras dificuldades à vida humana. Essas dificuldades são naturais ou sociais (quando causadas pelo homem). A Quimbanda, por meio estrito de sua Arte, quer dizer, a aplicação direta da feitiçaria e cada caso, atuará sobre essas dificuldades, auxiliando o kimbanda a superá-las e destruí-las no curso de sua existência material.
Quimbanda é feitiçaria, a arte de manipular e projetar vetores de força mágica (i.e. energia/moyo) através de bases materiais. Um kimbanda mensura tudo no cosmos em quantitativos energéticos: as interações e relações pessoais, as paixões, desejos e impulsos por trás das ações, a atividade sexual, os negócios e compromissos firmados, a manipulação do oráculo (Ẹriṇ ou Cabalá de Exu), o feitio de oferendas e feitiços. Absolutamente tudo se mensura pela equalização das forças envolvidas, porque um kimbanda trata-se de um manipulador de energia! Isso não é fácil de conquistar e levamos a vida toda para aperfeiçoar essa arte.
A Trindade Maioral (Beelzebuth, Lúcifer e Ashtaroth) como descrevi na Revista Nganga, são antigas forças cósmicas que estiveram envolvidas nos processos de formação do cosmos e no desenvolvimento da consciência humana, sendo elas o Sol, o Fogo Mercurial e a Lua. Os símbolos dessas três forças estão presentes na Chancela do Chefe Império Maioral, e sua interação e a compensação energética que dela deriva demonstra essa característica singular de equilíbrio das forças na Quimbanda nas ações do Exu Beelzebuth, Exu Lúcifer e Pombagira Rainha das Sete Encruzilhadas (ou em algumas famílias Exu Rei das Sete Encruzilhadas). As implicações alquímicas desse processo eu expliquei na Revista Nganga e aqui teço mais algumas considerações sobre esses símbolos.
Todas as qualidades sensíveis (ou virtudes) aparentes do Sol e da Lua como sua cor, temperatura, formas etc., são simetricamente opostas. Isso os caracteriza como forças que simbolizam todas as oposições máximas e irredutíveis, modelada pelo esquema de dois pontos divergentes e equidistantes de um terceiro ponto central: a consciência humana (Logos/Lúcifer) que os observa da Terra. Desde tempos imemoriais, a Lua que se levanta e o Sol que se põe, formam o símbolo perfeito do equilíbrio dos opostos, com o homem (ou fogo mercurial criativo) no meio como fiel da balança.
O Sol e a Lua, portanto, são símbolos que evocam a ideia de equilíbrio entre o ativo e o passivo, o masculino e o feminino, a força centrífuga e a força centrípeta, a força linear e a força não linear, o Od e o Ob no Caduceu de Mercúrio, o claro e o escuro, o causal (cosmos) e o acausal (caos) etc., tudo quanto à cultura chinesa conseguiu exprimir nas ideias de Yin e Yang e a Quimbanda na manipulação – ou a aplicação da força simbolizada – pelos tridentes dinâmico e receptivo na ação de Exu e Pombagira. A iconografia de Maioral demonstra esse embate e interação de forças que delimitam o equilíbrio entre Caos e Ordem em uma relação de mútua compensação, presente em absolutamente em todas as circunstâncias e fenômenos ao nosso redor.
Mas este equilíbrio compensatório entre essas forças nunca é estático. Tão logo ele seja conquistado, imediatamente seu ponto de convergência desliza, pendendo de um lado ou do outro, compensando as tensões de cá e de lá, e todo conjunto perde a simetria. Então é no jogo de desequilíbrio entre as partes ou no equilíbrio dinâmico dessas forças, que a ação de Exu e Pombagira ocorre. Nenhum equilíbrio depende apenas de simetria e equidistância, mas também de interação, conflito e reciprocidade. É quando os opostos se tornam complementares. É por isso que se diz que os Exus e Pombagiras nascem do Trono Supremo de Maioral como forças complementares, pelo fato de que em seu Corpo, na Alma do Mundo, essas forças causais e acausais não são opostas, mas complementares, dando movimento a Luz Astral.
A iconografia de um mago portando em mãos o Caduceu de
Mercúrio é uma representação do domínio da força Luni-Solar, símbolo de seu
manejo, arranjo e projeção. No dia-a-dia de um kimbanda esse domínio é
simbolizado pelos tridentes (dinâmico e receptivo) e pelo kimbanda empunhando a
sua faca, como uma «trindade». Repito, isso é um símbolo!
A natureza da Quimbanda é a guerra, o combate, o abate predatório, porque seu objetivo último é o domínio! Trata-se de um culto visceral de caça e expansão de território. Seus adeptos são considerados guerreiros que lutam para expandir o Reinado do Chefe Império Maioral, o Diabo.
Ao tornar-se um Táta de Quimbanda, o Exu recebe seu «domínio», seu «governo» dentro do Reinado de Maioral; ele é coroado o «rei de sua morada», regente de sua «legião» de espíritos, mortos e demônios. É por isso que vemos o termo «domínio» estampado nos nomes de diversos templos de Quimbanda espalhados pelo Brasil.
A Quimbanda se trata do domínio de cada Exu, não de seus médiuns, os Mestres da Quimbanda. O que é «sagrado» na Quimbanda é Exu, não os adeptos. Os Mestres de Quimbanda vêm e vão; seus nomes às vezes permanecem na memória coletiva por algumas décadas, mas depois desaparecem na noite dos tempos. Exu, por outro lado, permanece para muito além do tempo e espaço. O templo ou domínio de Quimbanda é o trabalho do Exu, não do Mestre de Quimbanda. O verdadeiro Táta e Chefe do templo é o Exu, não o seu médium.
Quimbanda se trata de realeza! Os Exus são Reis de seus domínios e sob o comando deles operam uma legião de espíritos-servidores e falangeiros. O termo «coroa mediúnica» se refere à coroa de todo um reinado, governo ou domínio. A coroa é usada por um Rei, o Exu, porque ele se ergueu da tumba do corpo físico com um corpo glorificado (deificado) através dos processos iniciáticos da Quimbanda.
Isso implica em conquista, domínio e poder. Este poder não é simbólico! Sua natureza, embora transcendente, também é material. Essa é uma sabedoria perene da Realeza, e esteve presente em inúmeras civilizações e culturas. No antigo Egito o faraó era considerado imbuído de um poder que não era simbólico, mas transcendente, material e taumatúrgico, e dele dependia a ordem do cosmos e de toda a sociedade. O faraó encarnava o princípio solar-ígneo, o poder da glória e da vitória.
Este princípio de «Realeza Solar» que representa a conquista, o domínio, a glória e a vitória, está representado na Chancela Imperial de Maioral, e simboliza o próprio poder sobre a «força de vida» presente no cosmos material, por isso ele aparece «coroando» a Chancela Imperial de Maioral.
É este poder que capacita o Exu a manipular as correntes de força presentes no Corpo de Maioral, o «agente mágico universal». As antigas provas pelas quais os Exus passavam, como a prova da labareda de fogo, visavam dar comprovação perante a comunidade de que ali este poder taumatúrgico estava presente.
Toda fórmula mágica da Quimbanda está representada na Chancela Imperial de Maioral. Conhecer os símbolos ali presentes é compreender toda hierofania da Quimbanda.
O símbolo mais importante da Quimbanda é a imagem de Baphomet imortalizada pelo Ocultista francês Eliphas Levi. Um símbolo trata-se de uma estrutura que nos capacita interpretar a realidade e que revela um significado, não necessariamente oculto, mas que as palavras podem não conseguir exprimir. Baphomet é um símbolo para o arcano da magia, e isso diz muito sobre sua presença na Quimbanda. A especulação trivial é que a Quimbanda assumiu o símbolo de Baphomet como o Diabo na intenção de se opor ao regime catequético cristão. Assim, assumindo o Diabo como simbólica do culto, infere-se que se trata de uma prática de oposição e transgressão ao status quo religioso dominante na cultura. Neste caso, a moral e piedade católica. Essa argumentação preenche as premissas sociológicas acerca da Quimbanda, dando sentido a elas, de fato. Mas é uma interpretação acadêmica e visão fora lócus do culto. Baphomet como símbolo na Quimbanda está associado à prática da magia, a realização taumatúrgica da vontade ou intento-mágico na Natureza, porque é isso que se quer na Quimbanda, efetivamente. Por isso ele é o símbolo maior da Quimbanda; por isso Maioral é o deus da Quimbanda e regente da Matéria, mas não o Deus do cosmos inteiro. Ele representa a regência mágica dos poderes sub-lunares aos quais o kimbanda tem acesso e manipula. Sua significação real é mágica, não sociológica.
Eu já falei desse assunto diversas vezes. Tem até vídeo no YouTube de 2020 onde faço distinção entre Exu do Ouro e Exu Chama Dinheiro. Não irei repetir aqui o que eu falei lá, então sugiro você a dar uma olhada. Poucos dias atrás eu publiquei uma série de Reels onde respondi uma pergunta sobre Pombagira Bruxa de Évora, apresentando-a como uma «pombagira artificial». Continuo aqui o raciocínio:
Há três tipos de «criaturas espirituais» que se apresentam como Exus e Pombagiras na Quimbanda: almas (espíritos de mortos), encantados (espíritos elementais da natureza) e servidores elementares (espíritos artificiais). Este termo, «criatura espiritual», utilizo no mesmo sentido que John Dee (1527-1608) o utilizava: qualquer criatura existente no cosmos, seja pela criação da Mente Divina ou pela criação da mente do homem.
Servidores elementares são criaturas espirituais criadas artificialmente pelos métodos da magia, por um mago ou por uma mente grupo para servir a uma egrégora específica. Na alquimia esse tipo de criatura é conhecida como «homúnculo» e no judaísmo como «golem». Na Quimbanda é «exu artificial».
Exu do Ouro é um «exu artificial» criado pelos adeptos da
Umbanda Sagrada para servir unicamente a egrégora daquela escola. Quando você
cultua Exu do Ouro na sua banda, na sua casa, este servidor transfere seu àṣẹ a
egrégora da Umbanda Sagrada. Quem ganha são eles na verdade, não você! Existe
uma «aparente» abertura ou ganho, que logo se esgota.
A Quimbanda é um culto afro-brasileiro muito distinto dos outros cultos, por muitos motivos. Um deles é este: o kimbanda não é um ressentido, porque o ressentimento é um espírito que só forja laços e compromissos com indivíduos fracos, os pedantes de mentalidade escrava. Os escravos, quer dizer, os indivíduos que têm a mentalidade escrava, sempre serão dominados! Os escravos sempre irão servir! Essa é à vontade e o objetivo de vida deles. O kimbanda é um indivíduo liberto dessas correntes ressentidas de estagnação e pobreza espiritual que se costuma alimentar na grande maioria dos cultos afro-brasileiros. O kimbanda não se comporta como um pedante escravo ressentido; ele é um guerreiro visceral e seu impulso é a dominação, a caça predatória; o estilo de vida de um kimbanda, treinado na arte da guerra mágica, é olho por olho, dente por dente! Ele não se ressente com a injustiça; o que o kimbanda faz é restaurar o equilíbrio entre as partes através de sua Arte!
Um kimbanda não se importa com causas coletivistas, com minorias, ou qualquer que sejam os problemas dos outros, a menos que ele seja bem pago para fazer isso. Ele é um individualista e sua honra, sua fidelidade e lealdade, repousa nos ombros de seus irmãos de faca somente. Obstinado, focado, perseverante e resiliente, o kimbanda levará as últimas consequências os seus objetivos, a manifestação imperial de sua vontade individual no mundo! O objetivo da Quimbanda é a expansão do Reinado do Chefe Império Maioral; o objetivo do kimbanda é erigir o Reinado de seu Exu tutelar dentro do Corpo de Maioral.
Por outro lado, vamos olhar o copo cheio, o kimbanda é também um curador, um agente social de restauração das forças em desequilíbrio. Uma doença, os caminhos fechados, o azar no amor etc., tudo isso são desajustes quem podem ser restaurados através da feitiçaria da Quimbanda.
Para um kimbanda, entenda de uma vez, a compaixão é sinônimo de prejuízo. Eu já falei diversas vezes aqui que um kimbanda mensura a sua participação (ou sobrevivência) na Natureza (i.e no cosmos) através de quantitativos energéticos. É por isso que a fórmula mágica fundamental e basilar da Quimbanda se trata da «troca energética», e não da partilha, quer dizer, o compartilhamento energético através da caridade e da compaixão.
Entenda que não existe na Quimbanda qualquer tipo de noção ou aspiração de transcendência do Ego. O aperfeiçoamento de seus aparatos (memória, emoções, inteligência etc.), a força de seus instintos e o refinamento de qualidades como a paciência e a astúcia, serve a única causa de sua sobrevivência. É no engrandecimento do Ego, na sua valorização e no seu domínio imperial, que repousa os objetivos almejados pelo kimbanda. Eu também já falei que a Quimbanda se trata da aplicação precisa e técnica do mal através da Faca, e pouca gente entende isso! É no sofrimento do outro que o kimbanda engrandece a sua banda: ele caça, abate e domina. É na dor e no sofrimento alheio, quer dizer, no mal que impera na vida do outro, que o kimbanda absorve moyo, energia vital.
É por esse motivo que a Quimbanda não está nem aí para as causas sociais ou das minorias. Que sofram, é melhor assim, porque desesperados eles procuram o kimbanda para ajudá-los, e pagam por isso.
Hoje estão querendo apresentar a Quimbanda como reduto de wokes ressentidos. Não se enganem, estes wokes serão os primeiros a serem devorados. A Quimbanda é para quem almeja o poder, a vitória, a glória e o domínio das forças que compõem a matéria! Sobre esse tema meu amigo Felipe Matus compartilhou:
A visão da Quimbanda a respeito do mal é agressiva, satânica e desagregadora. Seus princípios podem soar como um insulto aos olhos do mundo moderno cujo projeto de «civilização» propõe um ethos universalista e igualitário, unificador e homogêneo, mas que despreza a individualidade do homem e sequestra seu espírito criativo e guerreiro. Há quase um século pensadores como Nietzsche, Evola e Spengler denunciavam o quadro de todo esse enredo «civilizacional» e o associavam a um sintoma de uma sociedade envenenada pela estagnação, fraqueza e apatia que estaria sujeita a um processo que cedo ou tarde conduziria seus membros a uma morte lenta e degradante culminando na própria extinção. E cá estamos nós observando todo esse circo. Nesse sentido é explícito o caráter antagonista, anárquico, hostil e bélico de forças como a Quimbanda e algumas vertentes do Xamanismo, pois sua proposta não se volta para o aperfeiçoamento do mundo ou do tecido social, mas para a depuração do sujeito que nele vive. A natureza é e sempre continuará sendo a mesma e não depende do homem para existir como tão capciosamente nos fez acreditar o antropocentrismo do século XIX que colocou o ser humano no centro de um mundo que o devora de dentro para fora e de fora para dentro. Influências como essas nos tornou crédulos na ideia de que sempre existe algo para ser consertado no mundo lá fora ou algo a ser salvo entre os homens, e assim, queremos dar um tipo de amor que não encontramos em nossa própria alma tal como oferecer uma forma de compaixão que esconde um ser miserável por dentro, incapaz de se ajudar. A verdadeira rebelião requer aquele tipo de fôlego que nenhuma instituição moderna pode oferecer.
Essa ética guerreira e de enfrentamento como você cita como modelo de aperfeiçoamento individual da Quimbanda, o acumulo de poder pessoal, somente algumas poucas civilizações ao longo da história conseguiram desenvolver, e somente por alguns grupos de pessoas dentro dessas mesmas civilizações. Os toltecas são o exemplo mais visível, algumas tribos eslavo-gêrmanicas do passado também, talvez pudéssemos colocar os Samurais do japão Feudal como exemplo.
Vejo uma relação muito próxima da ética guerreira da Quimbanda com a do xamanismo tolteca. Ambas são dotadas de uma cosmovisão de que o universo é essencialmente predatório, de que existe uma «luta» perene por sustentação, por sobrevivência, pela preservação da consciência em todos os níveis, seja no reino orgânico ou no inorgânico.
Energia e consciência, em ultima instância, seria a moeda de troca de tudo que existe – e também tudo que há. Para os toltecas a autoconservação seria unicamente possível através do «caminho do guerreiro». A morte, nesse sentido, era vista como uma grande espreitadora e estaria sempre nos observando a sete palmos de distância ao nosso lado esquerdo. No xamanismo tolteca a morte deve temperar o espírito do guerreiro porque o tempo não esta a nosso favor, nunca esteve, e por isso nossos atos devem ser impecáveis. A impecabilidade é a substrato do caminho do guerreiro e um de seus maiores obstáculos seria autopiedade e a autoimpotância na medida em que tais «vícios psíquicos» drenariam nossa energia. Interessante notar que grande parte dos atos de «compaixão» nesse mundo são uma farsa porque se apoiariam não no amor verdadeiro e desprendimento absoluto, mas na pena que as pessoas sentem de si mesmas e projetam no outro. Segundo Castaneda, um guerreiro tem que ser independente, sem um pingo de autocompaixão, capaz de valer-se por si mesmo e sumamente respeitoso da integridade dos demais. Em uma ocasião, referindo-se à não-compaixão como requisito para encontrar a liberdade, disse: «Se vier a Madre Teresa de Calcutá e quiser ajudar você, cuspa-lhe na cara! Vai lhe fazer um favor, porque ela vem impor seu amor e seu desejo de ajudar, sem lhe pedir permissão.
A Quimbanda como o «caminho do guerreiro» trata-se de uma
perene «jihad» (guerra santa): a luta interna contra as próprias fraquezas que
têm de ser purgadas e a constante batalha contra os inimigos e intempéries da
Natureza.
Táta Nganga Kamuxinzela