Dando continuidade ao tema central do primeiro ensaio, a
goécia como antigo culto ctoniano grego de reverência aos mortos glorificados,
i.e. deificados como deuses do Submundo (theos ctonius), sendo a corrente
mágica que subjaz como um pano de fundo todas as genuínas tradições mágico-iniciáticas
do passado e do presente, sendo as antigas raízes xamânicas da magia ocidental,[1] Táta Kilumbu
escreve sobre o processo soteriológico de deificação da alma na Quimbanda.
No ensaio anterior nós vimos que a Quimbanda herda inúmeras
técnicas necromânticas gregas por meio de suas releituras europeias, i. a
mágico-cipriânica de O Livro de São Cipriano ibérico e o catolicismo popular;
ii. os ritos fúnebres tradicionais do catolicismo romano. Vimos também que o kimbanda
brasileiro opera como o goēs (feiticeiro) grego, que conjurava os mortos sem
descanso para fins de magia e mancia, i.e. divinação. E assim como no culto
tradicional dos gregos do Mundo Antigo, em um período anterior a formação da pólis
e o culto aos deuses olímpicos, a Quimbanda também é um culto de reverência a
espíritos tutelares, os mortos deificados. Como venho demonstrando desde o
primeiro volume do Daemonium, a fórmula mágica do espírito tutelar é universal,
estando presente em todos os cultos genuinamente mágicos. E por último, sendo a
Quimbanda um culto de goécia, i.e. um culto brasileiro aos mortos, seu processo
soteriológico de deificação da alma é o mesmo de toda tradição mágica ctoniana:
a catábase, a jornada iniciática ao Submundo.
É sobre a imersão catabática na Quimbanda e a metamorfose que ela opera na alma, que discorre Táta Kilumbu. O rito nada mais é do que a representação do mito. Assim como os antigos heróis gregos como Orfeu ou Odisseu visitaram o Hades, o Submundo, a cerimônia de iniciação na Quimbanda é quando se abrem os Portais do Inferno para o adepto iniciado. É ali a sua entrada no Reinado do Chefe Império Maioral, o Diabo. Jake Straton Kent diz:
De todas as experiências místicas dos Mistérios Ocidentais, a descida ritualizada ao Submundo é de longe a mais duradoura e significativa. Essa magia goécia é conquistada porque em sua performance o magista ocupa simultaneamente o espaço ritual preparado e o reino evocado do Hades.[2]
Táta Nganga Kamuxinzela
[1] Frater Archer. Clavis Goêtica: Keys to Chthonic Sorcery.
Hadean Press, 2021, pp. 9.
[2] Jake Stratton-Kent. Geosofia. Vol. 1. Scarlet Imprint, 2023, pp. 120.