Em O Livro de São Cipriano lemos: É muito
útil ao neófito conhecer também a hierarquia dos Espíritos Infernais que irá
ter à sua disposição mediante o pacto: Lúcifer, imperador; Belzabet, príncipe;
Astaroth, grande duque. Estes são os principais espíritos do reino infernal.[1] Neste capítulo de O Livro de
São Cipriano encontramos uma lista completa dos espíritos infernais,
obviamente herdados da demonologia nigromântica do Grimorium Verum, um
grimório franco-italiano tipicamente diabólico do Séc. XVIII, que ganhou muito
prestígio naquele período por simplificar as técnicas de comunicação com os
espíritos. Neste artigo eu demonstro como a ancestralidade da corrente mágica
europeia fáustico-cipriânica penetrou profundamente na cultura afro-brasileira.
No fim do Séc. XIX, como demonstrei no segundo volume do Daemonium, os
espíritos infernais listados em O Livro de São Cipriano já eram
convocados nas Macumbas. Com o tempo as edições brasileiras do livro – que
trouxe ao Brasil a diaba Maria Padilha para tornar-se a primeira Pombagira da
Quimbanda e sua patrona-guardiã – começaram a trazer rezas e esconjuros
dedicados aos òrìṣà:
Oxalá, vós que refletis o princípio criador, vós que sois o verbo solar, a ciência do verbo sublime,[2] vós que fazeis a supervisão de todos os orixás na terra, abençoai-nos. [...] Meu senhor do Bonfim, acho-me na tua presença. Que o sagrado orixá Ogum corte com sua espada todos os males que de mim se acercam.[3]
E na década de 1950, com Aluízio Fontenelle é construída uma
conexão direta entre a magia diabólica-fáustica do Grimorium Verum e
a Quimbanda. O influxo da corrente fáustico-cipriânica na identidade mágica
brasileira foi tão intenso e profundo que o resultado disso foi a Quimbanda,
uma corrente mágica de feitiçaria afro-brasileira chefiada pelo Chefe Império
Maioral, o Diabo, na forma de três demônios infernais.
Entre 1950 e 1970, autores como Fontenelle, Molina,
Bittencourt, Alva etc. criaram os mitologemas fundantes da Quimbanda. Foi uma
época intensamente rica que nutriu todo o imaginário da Quimbanda. Em um desses
mitologemas encontramos São Cipriano, discípulo de Exu Meia Noite, que recebeu
os poderes mágicos de Jesus Cristo lhe tomados por Exu Beelzebuth que, por sua
vez, é o espírito que tanto inspirou Hiram Abiff a construir o Templo de
Salomão quanto o fogo noturno que o destruiu, associado aos poderes dos pilares
gêmeos da frente do templo, Jaquim e o Boaz, que sustentam a chama crepitante
na cabeça de Baphomet. Esta chama é em verdade a estrela de Salomão.
É deste período que nasce a conexão entre Exu, o Bode de Mendes (Baphomet) e o
Templo de Salomão para manifestação de Exu beelzebuth. O Bode sendo o próprio
templo (pilares/chifres) que sustentam o fogo celestial criativo.
Toda a corrente mágica de O Livro de São Cipriano foi
absorvida pela Quimbanda. Na verdade, ele é uma parte fundamental para formação
da identidade mágica brasileira.
[1] O Livro de São Cipriano, O Livro
dos Espíritos, Cap. VII. Em Humberto Maggi. Thesaurus Magicus Vol.
II. Clube de Autores, 2016, pp. 316.
[2] N.T. uma referência ao sincretismo com
Jesus Cristo.
[3] Excerto de O Poderoso Livro de São
Cipriano. Citado em Jerusa Pires Ferreira. O Livro de São Cipriano: Uma
Legenda de Massas. Perspectiva, 1992, pp. 17.