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A QUIMBANDA & O PANDEMONIUM BRASILEIRO

 

Por Táta Nganga Kamuxinzela

@tatakamuxinzela | @covadecipriano | @quimbandanago

 

 

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Nota: este texto é o editorial a ser publicado na Edição No. 12 da Revista Nganga.

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Muitas, se não a maioria, das religiões do mundo situaram um grupo proteano de seres espirituais em algum lugar entre seus deuses supremos, geralmente benevolentes, e seus demônios, geralmente malévolos. Conhecidos pelos antigos gregos como daimōnes e pelos antigos romanos como dæmons, sua característica mais distintiva tem sido sua ambiguidade. Por vezes benignos e malignos, poderosos e vulneráveis, inatos e remotos, terrestres e aéreos, inertes e evanescentes, os dæmons frequentemente constituem uma horda sem nome, cujos membros mudam entre formas humanas, mamíferas e aviárias, muitas vezes de gênero indeterminado. Historicamente, essa ambiguidade, essa indeterminação, conferiu aos dæmons uma notável mobilidade. Os dæmons sempre viajaram com mais leveza do que os deuses. Aqui, não estou falando de agência e mobilidade por parte dos próprios dæmons, mas sim dos movimentos e atividades dos humanos que buscam contato com eles ou alívio deles. A dæmonologia, a «ciência dos dæmons», é um vernáculo religioso que, não restrito por preceitos teológicos e institucionais exclusivistas, foi compartilhado por todas as culturas, tanto pré-modernas quanto modernas, e incorporado em suas respectivas tradições escriturais e literárias, observâncias rituais, culturas materiais e programas iconográficos. Na maioria das vezes, é um vernáculo para o qual nenhuma intervenção hierática é necessária. Manipular ou negociar com dæmons não requer um sistema de crenças sofisticado ou uma instituição sacerdotal: o essencial é que as técnicas empregadas sejam eficazes. Gestos rituais, atos de fala sem conteúdo semântico (ou seja, feitiços), substâncias de poder sem voz e dispositivos feitos pelo homem são o que os especialistas humanos têm oferecido a seus clientes há milênios. Como os próprios dæmons, esses agentes humanos geralmente têm sido um grupo ambíguo, com a linha divisória entre um feiticeiro e um contra-feiticeiro, ou entre um mago negro e um mago branco, muitas vezes sendo situacional, se não reversível.[1]

 

Decidi iniciar este editorial com uma citação da última obra do eminente acadêmico David Gordon White, que conclui um trabalho de pesquisa de vinte andor acerca do pandemonium eurasiano. A citação discute a figura dos daimōnes no contexto religioso e cultural ao longo da história, destacando sua ambiguidade e a fluidez com que transitam entre o bem e o mal. Essa flexibilidade os torna particularmente interessantes, pois sua natureza indefinida facilita sua incorporação em diferentes tradições religiosas e práticas culturais. E foi isso que ocorreu no ambiente do Mediterrâneo e Oriente Médio no Mundo antigo, onde uma intensa miscigenação cultural entre gregos, assírios, persas e indianos ocorreu, influenciando a religião, cultura e folclore desses povos. White diz: 

As técnicas demonológicas, assim como os próprios dæmons, atravessaram a vasta extensão eurasiática com o fluxo e refluxo do comércio, viagens, migração, expansão política e guerra. [...] Nove séculos antes, a cidade de Antióquia, esse «centro gravitacional do mundo mediterrâneo oriental na antiguidade», que atraía comerciantes de lugares tão distantes quanto a China, era um ponto de parada para outro tipo de viajante. Como Dayna Kalleres relata em seu estudo sobre a demonização dos dæmons pagãos da cidade pelo bispo cristão João Crisóstomo, «goētes itinerantes, magoi, especialistas divinatórios (Gr. manteis), praticantes teúrgicos e caldeus dos confins dos impérios romano e persa moviam-se continuamente pela cidade, introduzindo novas formas de práticas rituais. [...] No final, era um mercado carismático e competitivo alimentado continuamente por rotas comerciais e energizado pela demanda urbana.» Nos séculos subsequentes, todos os tipos de intercâmbios ocorreram nas tradições e tecnologias demonológicas e afins, incluindo a disseminação dos quadrados mágicos da China para a Índia, o mundo islâmico e a Europa; a difusão da ciência astrológica do mundo helenístico para a Pérsia e a Índia; e a transmissão da demonologia ayurvédica da Índia para o interior da Ásia, o Leste e Sudeste Asiático, e o mundo árabe.[2]

 

O conceito de daimōnes transcende as fronteiras de sistemas religiosos organizados e sofisticados, sendo acessível e manipulado através de práticas rituais simples e eficazes. A dæmonologia, a ciência dos daimōnes,[3] longe de ser monopolizada por sacerdotes ou instituições religiosas, tem sido parte do vernáculo humano, acessível a diversos tipos de praticantes, de feiticeiros a magos, independentemente de sua afiliação a uma instituição formal. Essa flexibilidade reflete a fluidez dos próprios daimōnes, cujos papéis podem mudar de acordo com a necessidade do contexto e da relação com quem os invoca. White, portanto, ressalta como as práticas envolvendo daimōnes estão mais ligadas à eficácia ritual do que à conformidade teológica ou doutrinária, o que confere à dæmonologia uma mobilidade transcultural fascinante, permitindo que esses seres permeiem múltiplas tradições e épocas. Essa segunda citação de White revela a difusão das práticas e conhecimentos demonológicos ao longo da história através de contatos culturais e trocas comerciais. Ele destaca como rituais e técnicas mágicas, assim como a própria ideia de daimōnes, não estavam confinados a uma única cultura, mas sim circularam amplamente através de fronteiras geográficas e temporais. O exemplo de Antióquia como um ponto de encontro para praticantes de diferentes tradições espirituais e mágicas, vindo de partes distantes do Império Romano e Persa, sublinha o papel das cidades cosmopolitas como centros de intercâmbio cultural e espiritual. Além disso, a propagação de tecnologias esotéricas, como quadrados mágicos e astrologia, demonstra como essas ideias transcenderam fronteiras e se adaptaram a diferentes contextos culturais e religiosos. 

É exatamente por causa dessa mobilidade daemônica que estes espíritos, já configurados como demônios pela demonologia eclesiástica, chegaram até a Quimbanda via Grimorium Verum. No terceiro volume do Daemonium: a Quimbanda & a Nova Síntese da Magia, menciono:

 

Posto isto, Fontenelle revela o ponto cabalístico de acesso ao Chefe Império Maioral:

 


 

É interessante que Fontenelle diga que este ponto riscado de Exu-Rei remonta a 1.600 antes de cristo. Ele é, portanto, uma chave de acesso a uma corrente mágica vastamente antiga e que se abrigou na Quimbanda nos tempos modernos. Trata-se de um portal ao Senhor das Trevas como compreendido pelos antigos sumérios no que se reconhece ser a mais antiga religião do mundo.

 

O conceito de pandemonium eurasiano tratado no livro de White é caracterizado pela ampla miscigenação cultural, religiosa e espiritual que ocorreu ao longo das rotas comerciais, migrações e trocas entre diversas civilizações da Eurásia, pode ter chegado ao Brasil e influenciado a Quimbanda de maneira sutil, mas significativa. Esse fenômeno de intercâmbio espiritual e cultural ao longo de séculos contribuiu para a circulação de ideias, técnicas e símbolos mágicos que eventualmente atravessaram o Atlântico, sendo absorvidos e adaptados no contexto brasileiro. 

A Quimbanda, como uma tradição sincrética, é um campo fértil para a incorporação de práticas e conhecimentos oriundos de diferentes fontes culturais. A mistura de elementos africanos, europeus e indígenas na formação da Quimbanda reflete uma dinâmica que pode ser comparada ao pandemonium eurasiano, onde entidades espirituais de origens diversas, como os demônios da cultura europeia, espíritos africanos e figuras indígenas, passaram a coabitar e a interagir em um novo contexto ritual e mágico. 

Esse processo de fusão cultural já era uma marca da espiritualidade em territórios como a Europa e a Ásia, onde o trânsito de ideias ocultistas, práticas mágicas e técnicas esotéricas percorreu rotas comerciais desde a Antiguidade. No Brasil, o cenário colonial, com a chegada de escravos africanos, colonizadores europeus e missionários religiosos, criou um ambiente em que tradições espirituais distintas entraram em contato. Textos esotéricos europeus, como grimórios e tratados de demonologia, assim como práticas mágicas africanas, que incluíam o culto a espíritos ancestrais, misturaram-se às tradições indígenas locais, criando uma matriz cultural similar à do pandemonium eurasiano. 

A influência desse intercâmbio espiritual pode ser vista na Quimbanda em elementos como o uso de símbolos europeus (como o pentagrama), a presença de práticas de invocação de espíritos que remetem à magia cerimonial europeia, e até mesmo na maneira como certas entidades, como Exus e Pombagiras, assumem papéis similares aos daimōnes e espíritos da tradição ocidental. A absorção de práticas mágicas de diversas culturas, sem um compromisso rígido com sistemas teológicos exclusivos, reflete a abertura característica do pandemonium eurasiano, onde o que importa é a eficácia ritual e a capacidade de adaptação das práticas espirituais. 

Portanto, a Quimbanda, em sua configuração atual, pode ser vista como uma continuidade desse grande caldeirão cultural que foi o pandemonium eurasiano, onde práticas mágicas e espirituais foram transmitidas, transformadas e adaptadas. Esse processo, por sua vez, fortaleceu a Quimbanda como uma tradição capaz de integrar elementos diversos em um sistema único, que reflete tanto as heranças ancestrais quanto as influências externas de várias culturas ao longo da história. 

Assim, a Quimbanda pode ser vista como um produto do pandemonium brasileiro, resultado da intensa miscigenação cultural, espiritual e religiosa que ocorreu no Brasil desde o período colonial. Essa tradição afro-brasileira emergiu da fusão de práticas espirituais africanas, influências europeias (especialmente do ocultismo e da magia cerimonial) e saberes indígenas locais. Assim como o pandemonium eurasiano, que misturava diversas tradições espirituais ao longo das rotas comerciais e trocas culturais, a Quimbanda se desenvolveu como uma tradição sincrética, aberta e adaptável. 

Na Quimbanda, os Exus e Pombagiras – espíritos intermediários que trabalham tanto no mundo espiritual quanto no material – refletem essa diversidade, incorporando características de espíritos africanos, demônios europeus e seres do folclore indígena. A tradição, portanto, não segue sistemas rígidos de crença, mas foca na eficácia dos rituais e na manipulação de forças espirituais para abrir caminhos, proteção e transformação. 

Esse sincretismo faz da Quimbanda uma prática que, como o pandemonium eurasiano, transcende fronteiras culturais e religiosas, sendo uma expressão única da convergência e reinterpretação de múltiplas tradições espirituais no contexto brasileiro. 

Por outro lado, a influência do ocultismo francês na formação da identidade mágica da Umbanda e Quimbanda no Brasil durante a primeira metade do Séc. XX foi profunda e multifacetada. As ideias esotéricas e ocultistas que floresceram na Europa, especialmente na França, chegaram ao Brasil através de livros, revistas e imigrantes, ajudando a moldar o imaginário mágico e espiritual dessas tradições afro-brasileiras. Obras de ocultistas como Eliphas Levi (1810-1875), Papus (1865-1916) e Allan Kardec (1804-1869), que exploravam temas como magia cerimonial, cabalá e espiritismo, tornaram-se populares e influenciaram a maneira como os praticantes brasileiros passaram a entender e estruturar suas práticas. 

No caso da Quimbanda, essa influência foi particularmente relevante na introdução e adaptação de conceitos como a magia cerimonial, a demonologia e a figura do Diabo. A Quimbanda absorveu elementos do Ocultismo europeu, incluindo a ideia de espíritos demoníacas como agentes de poder. A figura do Diabo, que no Romantismo europeu simbolizava a rebelião, o desafio às normas e a exaltação da liberdade individual, foi reinterpretada dentro da Quimbanda como o Chefe Império Maioral e, por extensão, a atuação dos Exus como potência de força e transformação, que não era necessariamente malévola, mas sim ambígua, desafiando a dualidade entre o bem e o mal. 

O Diabo do Romantismo, popularizado por escritores e poetas como Baudelaire (1821-1867), Lord Byron (1788-1824) e Goethe (1749-1832), chegou ao Brasil como uma figura de resistência e poder, algo a ser compreendido e trabalhado, em vez de temido. Assim, a Quimbanda incorporou essa visão mais complexa do Diabo, afastando-se do maniqueísmo cristão e aproximando-se de uma visão esotérica, onde Exu, frequentemente associado ao Diabo pela teologia cristã, era visto como um senhor de encruzilhadas, responsável por abrir e fechar caminhos, além de ser um intermediário entre o mundo material e o espiritual. 

Essa fusão de tradições africanas, indígenas e europeias (particularmente do ocultismo francês) foi central para o desenvolvimento das práticas da Quimbanda, dando-lhe uma identidade que abraça tanto as raízes locais quanto as influências globais. A introdução de elementos como pentagramas, grimórios e símbolos da magia ocidental enriqueceram as práticas da Quimbanda, conectando-as a um espectro mais amplo de espiritualidade esotérica. 

É com Aluízio Fontenelle (1913-1952) que a Quimbanda nasce como um fenômeno do pandemonium brasileiro. Os autores modernos da Umbanda e Quimbanda têm falhado consistentemente em avaliar o tema com a precisão requerida. A Revista Nganga No. 11 trouxe à tona as pontas soltas dessa trama, sem o viés ideológico que poluiu o debate nos últimos anos. 

A influência do Grimorium Verum na Quimbanda foi fundamental para o desenvolvimento de sua estrutura demonológica, especialmente na maneira como certos espíritos do Grimorium Verum foram associados aos Exus. O Grimorium Verum, um dos textos mais célebres da tradição mágica ocidental no que concerne a ideia medieval de magia negra, é conhecido por sua demonologia explícita, detalhando invocações e pactos com espíritos demoníacos que possuem uma relação direta com o controle e manipulação de forças espirituais. Ao ser introduzido no contexto da Quimbanda, esse sistema trouxe uma reconfiguração significativa para a prática, influenciando a visão que os praticantes tinham sobre o papel dos Exus. 

A incorporação desses espíritos demoníacos à iconografia da Quimbanda foi responsável por sua demonização aos olhos da sociedade, gerando consternação e medo, especialmente por parte de setores mais conservadores da cultura brasileira. A associação direta dos Exus com figuras demoníacas reforçou uma imagem poderosa e, muitas vezes, assustadora, em que a Quimbanda passou a ser vista como uma tradição intimamente ligada ao trabalho com o Diabo e as forças das trevas. 

No entanto, essa demonologia, apesar de ter gerado reações negativas no exterior, trouxe contribuições importantes ao ocultismo brasileiro. A Quimbanda se destacou por criar uma prática mágica e espiritual capaz de lidar diretamente com forças que eram tradicionalmente marginalizadas ou temidas pelas religiões hegemônicas. Ao invés de rejeitar essas entidades demoníacas, a Quimbanda as abraçou como fontes de poder e transformação, permitindo que os praticantes navegassem pelos mundos materiais e espirituais de forma ambígua e pragmática. 

Esse aspecto demonológico tornou-se uma das maiores contribuições da Quimbanda ao Ocultismo no Brasil, ajudando a definir uma prática mágica que se distancia de conceitos dualistas simplistas (bem versus mal) e que abraça a complexidade dos Exus e Pombagiras como mediadores entre o humano e o sobrenatural. O Grimorium Verum, com sua teologia demonológica, intensificou essa abordagem e ajudou a estabelecer a Quimbanda como uma prática que, ao mesmo tempo em que lida com forças demoníacas, busca transcender o medo e a superstição para manipular essas energias com intenção e eficácia. 

A inclusão de espíritos do folclore brasileiro e das tradições nativas do Brasil no sistema da Quimbanda como Exus reflete a natureza sincrética e dinâmica dessa tradição espiritual, onde o Cosmos é povoado por diabos. Na Quimbanda, todos os espíritos do folclore e da mitologia brasileira, ao serem incorporados ao sistema, tomam a forma de diabos, reforçando a visão de que essas entidades – tradicionalmente protetoras ou tricksters, como a Cobra Grande, Boitatá, Saci-Pererê e Curupira – se conectam diretamente com as forças da natureza e a dualidade entre o bem e o mal. 

Assim, essas figuras do folclore, ao serem ressignificadas na Quimbanda, assumem o papel de Exus, entidades intermediárias que transitam entre o mundo espiritual e material, mantendo seus poderes sobre a natureza e sua capacidade de abrir ou fechar caminhos. A adaptação desses espíritos ao papel de diabos na Quimbanda demonstra o caráter não estático da tradição, que absorve novos elementos e os transforma em agentes poderosos, agora integrados ao panteão demoníaco do sistema. 

Esse fenômeno não apenas enriquece a prática da Quimbanda, mas também altera a percepção popular sobre essas figuras do folclore, tornando-as parte ativa de um Cosmos onde os diabos são intermediários e agentes de poder, conectando o cotidiano das pessoas com as forças espirituais profundas que permeiam a terra e a ancestralidade. 

Na Revista Nganga No. 11 publicamos a primeira parte do artigo Daemonium: a Hierarquia Infernal da Quimbanda, o qual faço um breve resumo em tópicos essenciais. O texto apresenta a Quimbanda como um sistema mágico sincrético, onde rituais antigos, demonologia europeia e tradições africanas se fundem para formar uma prática esotérica complexa e poderosa. 

1.      Origem e Evolução da Quimbanda: A partir da década de 1950, com o trabalho de Aluízio Fontenelle, a Quimbanda se consolida no Brasil como uma forma de goécia brasileira, i.e. um sistema de magia nigromântico (que lida com demônios) e necromântico (que lida com espíritos dos mortos).

2.      Influência de Aluízio Fontenelle: Fontenelle conectou os Exus da Quimbanda aos demônios do Grimorium Verum, estabelecendo a iconografia diabólica atual, que inclui figuras como Lúcifer, Beelzebuth, Ashtaroth e o Baphomet de Eliphas Levi. Ele introduziu o conceito de reinos dentro da Quimbanda, como o Reino das Encruzilhadas e o Reino do Cemitério, e foi responsável por conectar essa prática à magia cerimonial e à cabalá europeia.

3.      Hierarquia Demonológica: A Quimbanda se estrutura em torno da figura de Exu, que comanda uma legião de demônios. Os Exus são agentes que manipulam as correntes de força mágica, que na Quimbanda são associadas à luz astral. A relação entre Exus e demônios segue um sistema hierárquico complexo, onde o poder do Exu é amplificado pelos demônios que ele comanda.

4.      Maioral e o Mistério Sem Nome: Maioral, também conhecido como o Diabo, é descrito como a força superior da Quimbanda, o chefe supremo que rege os Exus e os demônios. Ele é identificado como Lúcifer e simboliza a união de forças de várias tradições, incluindo Ògún e São Miguel. Fontenelle foi o primeiro a associar Maioral a Baphomet, usando o conceito de luz astral como fonte de poder para os rituais de Quimbanda.

5.      Brasão Imperial de Maioral: O Brasão Imperial de Maioral simboliza o domínio espiritual e material da Quimbanda, representando o poder absoluto sobre os elementos naturais e os espíritos. Ele reflete a síntese de influências ocidentais e africanas que moldaram a prática, destacando a importância de Ògún, Exu e Lúcifer no comando das forças demoníacas. Este foi o primeiro artigo que explicou detalhadamente o Brasão Imperial de Maioral no Brasil. 

Retomamos na Edição No. 12 esse artigo, a partir da Seção VI: Um Mundo Povoado por Diabos. Nessa seção exploraremos a evolução da visão de mundo do homem em relação aos espíritos e forças invisíveis que o cercam, desde os primórdios da humanidade até o desenvolvimento de sistemas demonológicos. Inicialmente, o homem enfrentou a vastidão misteriosa da natureza e desenvolveu uma sensibilidade religiosa para lidar com os fenômenos que não compreendia, deificando-os e criando ritos propiciatórios. As tradições folclóricas, especialmente no contexto europeu, repletas de espíritos, deuses e demônios associados a lugares naturais, influenciaram o desenvolvimento de sistemas demonológicos, como o Grimorium Verum e o Testamento de Salomão, que catalogaram e classificaram esses espíritos. 

No texto veremos como a Quimbanda brasileira incorporou essas tradições e influências demonológicas, especialmente com a sincretização de Exus e demônios do Grimorium Verum, criando uma visão de mundo onde o Cosmos é povoado por diabos. A Quimbanda, através de sua estrutura de classificação de Exus e Pombagiras em reinos e linhas, baseia-se no controle e convocação ritual desses espíritos, semelhante às práticas de exorcismo e magia cerimonial da antiguidade. O ensaio conclui com uma reflexão sobre a importância da classificação desses espíritos na prática mágica da Quimbanda, destacando o sincretismo entre os Exus e os demônios e a utilização de chaves mágicas para acessar essas entidades.

 

Táta Nganga Kamuxinzela

Editor



[1] David Gordon White. Daemons Are Forever: Contacts and Exchanges in the Eurasian Pandemonium. The University of Chicago Press, 2021, pp.2.

[2] Ibidem, pp. 9-10. Interessante notar que Jake Stratton-Kent (1956-2023) credita essa mesma influência pancultural religiosa e a cidade de Antióquia como epicentro dessa miscigenação na formação do platonismo teúrgico de Jâmblico (245-325 d.E.C.). veja The Testamento f Cyprian the Mage. Scarlet Imprint, 2014, pp. 28-36.

[3] Diferente da ideia de demonologia, que classifica os daimōnes (ou espíritos diversos da cultura e folclore de um país ou região) sob a jurisdição eclesiástica da Igreja, transformando-os nos espíritos malignos que hoje conhecemos como demônios em nossa cultura.




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