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A DOUTRINA DA SIMPATIA NA QUIMBANDA

 

Por Táta Nganga Kamuxinzela

@tatakamuxinzela | @covadecipriano | @quimbandanago 

 

Nota: esse texto é um excerto do terceiro volume do Daemonium: a Quimbanda & a Nova Síntese da Magia. 

 

Operar a magia no contexto da Quimbanda é [algo] que frequentemente chamamos de «fazer macumba», e a macumba é realizada com a assistência de um espírito; como o ponto cantado diz, «sem Exu não se faz nada». Antes de discutir as várias formas de macumba, também conhecida como magia negra, é importante entender a tecnologia espiritual por trás do trabalho da macumba.[1]

Caro Irmão de Fé, ao escrever este pequeno trabalho, foi com o intuito de esclarecer e ensinar aos Irmãos de Fé, diversos tipos de Magias, Feitiços, Oferendas e Despachos, diversos Trabalhos de defesa e de ataque. Enfim procurei ensinar de tudo um pouco sobre o Agente Mágico Universal, suas cores, seus locais certos onde devem ser colocados seus despachos. Torna-se necessário que se esclareça tudo a respeito deste Povo, pois utilizado com sapiência, através deles consegue-se verdadeiros milagres.[2] 

 

A Quimbanda é feitiçaria, a arte de manipular energia – as correntes de força ódica da luz astral, o Corpo do Chefe Império Maioral – através de bases materiais, os agentes mágicos universais apropriados ao trabalho da macumba: a cachaça, o fumo, a pólvora, os padês, os pontos cantados e riscados, os sacrifícios de sangue, as ponteiras, o descarrego, a pemba, o despacho, os pontos de força dos Reinos e os próprios Gangas da Quimbanda. Por esse motivo é dito que a Quimbanda é amoral, porque a energia, as correntes magnéticas de força ódica, não respondem a moral, mas ao contrário disso, respondem as técnicas de manipulação. Daí que essas correntes de força podem ser manipuladas por qualquer indivíduo que tenha conhecimento das técnicas de manipulação e por qualquer motivo desejado. Como agentes mágicos universais, os Gangas da Quimbanda são mercuriais e nessas condições, não refletem apenas a consciência do operador, mas são também um reflexo de suas necessidades, desejos, paixões ou de suas virtudes como a força, a honra e a vontade. Frisvold diz: 

Dada a orientação amoral de Exu e como esse poder tem uma capacidade mercurial de refletir o invocador, [... ele] em teoria concordará com qualquer contrato que seja oferecido, desde que a palavra seja o vínculo e o pagamento seja dado. [...] Oferecendo sangue, tabaco e fogo como alimento e névoa corporal para esses espíritos amorais, é teoricamente possível fazer um acordo de quid pro quo com Exu e Pombagira em relação a qualquer coisa. [3]

 

Como menciono na introdução deste livro, essa mecânica de trabalho com os Gangas da Quimbanda, de que eles só estão interessados em seu pagamento para trabalhar, é herança do Grimorium Verum, que diz: Desde que eles estejam satisfeitos com sua parte, porque esse tipo de criatura não faz nada por nada. [4] Frisvold continua: 

Nessa base, operar a macumba pode ser tão simples quanto oferecer uma garrafa de cachaça e um charuto para fazer alguma coisa, até múltiplas oferendas de força vital para alcançar os mesmos resultados. Depende de vários fatores, sendo um deles o tipo de relacionamento que temos com Exu e em que premissas ele aceitou trabalhar. Além disso, trata-se também de quão realistas são as metas estabelecidas para a macumba. Lembremos que a magia, o trabalho de feitiços ou a macumba, na Idade Média, era uma disciplina séria sob o título de filosofia natural; tratava-se de compreender o funcionamento oculto da natureza. Estes segredos ocultos consistiam em compreender como fazer algo num lugar poderia gerar efeitos noutro lugar, nomeadamente na compreensão da ligação entre todas as coisas nos mundos, visíveis e invisíveis, e como todas as coisas estavam ligadas. Compreender isso levaria ao conhecimento da manipulação desses laços, daí a magia prática, ou macumba. [5]

 

O que Frisvold se refere como a compreensão da ligação entre todas as coisas nos mundos, visíveis e invisíveis, e como todas as coisas estavam ligadas, é um dos maiores segredos pelos quais a magia opera e recebe o nome de simpatia.[6] Wouter J. Hanegraaff sumariza sua importância da seguinte maneira: 

Esta primeira categoria [controle] diz respeito a práticas pelas quais se tenta ganhar algum tipo de influência ou poder sobre a realidade. Muitas delas têm sua origem, de forma bastante simples, no fato básico da vulnerabilidade humana: em maior ou menor medida, todos estamos à mercê de circunstâncias externas que podem nos prejudicar de uma forma ou de outra, e assim é bastante natural que os seres humanos reajam tentando encontrar alguma forma de controle em um mundo ameaçador. Um exemplo óbvio é o uso generalizado de amuletos ou talismãs para fins como proteção pessoal contra perigos naturais, como doenças ou morte, mas também contra as intenções maliciosas (imaginadas ou reais) de outros seres humanos. Pois, além de as pessoas sentirem a necessidade de proteção contra danos, elas também podem tomar a iniciativa e realmente tentar prejudicar seus inimigos, por meio de ferramentas e técnicas semelhantes.

Claro, infligir dano ou proteger-se contra ele é apenas uma das possíveis motivações para se engajar em práticas de controle: por exemplo, ao longo da história, homens e mulheres usaram encantos ou poções para fazer com que outros homens ou mulheres se apaixonassem por eles ou consentissem em fazer sexo, mas técnicas semelhantes também foram aplicadas a objetivos como a busca por poder ou riqueza (por exemplo, encontrar tesouros escondidos). As explicações para o motivo pelo qual essas práticas funcionariam variam desde causas naturais, como poderes ocultos e as forças cósmicas de simpatia e antipatia [de Plotino], até assistência de agentes [mágicos universais] sobrenaturais, como demônios ou anjos.[7]

 

A doutrina da simpatia origina-se na concepção de que o Cosmos é uma unidade, um corpo vivo do qual Deus é a alma. Trata-se de um conceito central da magia ocidental e sua origem pode ser egípcia. Entretanto, encontramos ideias relacionadas no pensamento mágico de várias culturas pelo mundo. Mas como a conhecemos, à parte o próprio termo e o seu desenvolvimento sistematizado em todos os ramos da magia ocidental, tratou-se de um produto do pensamento grego. Foi enunciada pela primeira vez por Parmênides (530-460 a.C.) e foi a ideia central do pensamento de Empédocles (495-430 a.C.), bem como de importância fundamental para os estóicos, sendo adotada e desenvolvida com entusiasmo pelos neoplatônicos. A adoção da doutrina da simpatia pelos neoplatônicos é de particular importância para a magia ocidental, porque no desenvolvimento da teurgia, que influenciou profundamente o pensamento ocultista medieval e renascentista, a simpatia era o fundamento por trás da funcionabilidade dos ritos e sacrifícios. Jâmblico diz: 

É mais prudente, portanto, buscar a causa subjacente à eficácia dos sacrifícios na simpatia, afinidade e interconexão que unem os criadores às suas criações e os geradores aos seus deuses descendentes. Quando, sob a orientação deste princípio comum, compreendemos que um animal ou planta que cresce na terra mantém de forma pura e simples a intenção de seu criador, então, por seu intermédio, acionamos de maneira apropriada a causa criadora que, sem comprometer sua pureza, governa essa entidade. Da a multiplicidade dessas relações, algumas com fontes imediatas de influência, como no caso dos daimones, enquanto outras ascendem além dessas, com causas divinas, e ainda mais acima, existe a Causa única e eminente – todos esses níveis de causas são ativados pela execução de um sacrifício perfeito; cada nível de causa está associado ao sacrifício de acordo com o grau a ele atribuído. Por outro lado, se o sacrifício é imperfeito, sua influência alcança somente certo nível, sem progredir além.[8]

 

Como delineei em minha ontologia, Kalunga: Teurgia & Cabalá Crioula,[9] Jâmblico, um dos maiores hermetistas par excellence da Antiguidade, inicia e encerra seu De Mysteriis exaltando Hermes e seus escritos. Uma referência clara a Hermética e o sistema soteriológico nela delineado, o hermetismo alexandrino. O que Jâmblico propõe é, de fato, um sistema de teurgia completamente baseado na Hermética, onde encontramos uma ideia muito clara da doutrina da simpatia.[10] 

Na Hermética os relatos mais completos acerca da doutrina da simpatia estão no Corpus Hermeticum (Livro XVI) e no Logos Teleios (também conhecido como Asclépio latino). Segue um resumo: 

Deus é um e o criador de todas as coisas, que continuam a depender de Deus como elementos de uma hierarquia. Em segundo lugar nesta hierarquia, depois do próprio Deus, vem o mundo inteligível e, em seguida, o mundo sensível. Os poderes criativos e benéficos de Deus fluem através dos reinos inteligíveis e sensíveis até o sol, que é o demiurgo em torno do qual giram as oito esferas das estrelas fixas, os planetas e a terra. Destas esferas dependem os daimones e deles depende o homem, que é um microcosmo da criação. Assim, tudo é parte de Deus, e Deus está em tudo, e sua atividade criativa continuando incessantemente. Todas as coisas são uma só[11] e o pleroma do ser é indestrutível. 

Os poderes divinos que unem esta estrutura são às vezes chamados de energias, e que também podem ser chamadas de luz.[12] Essas energias derivam do sol, dos planetas e das estrelas, e elas operam em todos os corpos, sejam imortais ou mortais, animados ou inanimados. São elas que causam crescimento, decadência e sensação; e elas também são a origem das artes e das ciências e de todas as outras atividades humanas. 

Ao estabelecer conjuntos de correspondências simpáticas, ou cadeias de conexões simpáticas, os hermetistas mantêm afinidades entre as áreas mais díspares do reino natural, de modo que cada animal, planta, mineral ou mesmo parte do corpo humano corresponde a um planeta específico ou a uma deidade, e podem ser usados para influenciar mudança no reino da geração, desde que os elementos de uma cadeia simpática sejam mutuamente solidários, de modo que os diferentes procedimentos e fórmulas corretas sejam conhecidas. 

Quanto aos daimones, eles são simplesmente personificações dessas energias simpáticas, e podem ser bons ou maus, mas são emanações, não possuindo corpo nem alma.[13] O seu efeito sobre os seres humanos é ainda mais insidioso por isso. Eles penetram até o âmago do corpo e tentam submeter o homem à sua vontade. Esta, expressa figurativamente, é a doutrina crucial do destino (fatum), e que desempenhou um papel tão importante na consciência do homem da Antiguidade tardia. A Hermética estabelece estreita ligação entre o destino e as estrelas, pois era do conhecimento dos hermetistas que todas as forças e energias de que acabamos de falar, e às quais toda a criação sublunar estava sujeita, derivavam diretamente dos corpos celestes. A derrubada de reis, a insurreição de cidades, fomes, pragas, as flutuações repentinas do mar e terremotos, nada disso ocorre... sem a ação dos decanatos.[14] Em suma, a compreensão dos hermetistas sobre a simpatia estava intimamente ligada à sua demonologia e astrologia; e está também subjacente à espiritualidade filosófica do hermetismo posterior, com a sua insistência na necessidade de a alma transcender o destino[15] antes de poder unir-se a Deus. Jake Stratton-Kent resume da seguinte maneira: 

O Universo, de acordo com a doutrina da simpatia, é uma unidade. Os gregos reconheceram que este ser [Universo-Um] era composto de partes, sejam elas denominadas elementos, princípios ou raízes. Todas as coisas dentro do Um eram compostas de diferentes combinações dessas raízes, sejam elas números, deuses, animais, plantas ou pedras, lugares, climas ou qualquer coisa, sua essência era definida por essas qualidades inerentes. Além disso, na medida em que quaisquer duas coisas se assemelhavam através de qualidades partilhadas, elas eram atrativas uma para a outra, independentemente das suas posições relativas no espaço. Isto é afirmado claramente tanto por Plotino quanto por Jâmblico: o Universo é um ser, suas partes separadas pelo espaço, mas através da posse de uma natureza [as partes] são rapidamente unidas em a atração uma pela outra.[16]

 

Esta concepção foi originalmente baseada nos quatro elementos e nos princípios da atração e repulsão, dependentes de qualidades semelhantes e diferentes. Esses quatro elementos não devem ser confundidos com as noções modernas pelas quais são entendidos; é mais fácil compreendê-los como estados de matéria. Assim, a terra não se parece apenas com solo, mas com as qualidades inerentes dos sólidos; a água, de igual modo, com as qualidades inerentes dos líquidos; o ar com os gases e o fogo com os plasmas. 

Os elementos representavam, portanto, a experiência subjetiva de uma determinada coisa, suas características e comportamento, ao invés de seus constituintes químicos objetivos. Com o passar do tempo essa classificação foi sistematizada: o fogo é quente e seco; a terra é seca e fria; a água é fria e úmida; o ar é quente e úmido. O fogo, portanto, compartilha a qualidade do calor com o ar, e a qualidade da secura com a terra. Por falta de qualquer qualidade compartilhada, o fogo é antipático à água. 

Assim, as oferendas e sacrifícios da teurgia (e religião grega de modo geral), incluíam materiais simpáticos aos deuses e daimones na intenção de atraí-los com eficiência. Jâmblico diz: 

Para cada parcela que compõe o cosmos, há, de um lado, o corpo manifesto que vislumbramos e, de outro, as múltiplas forças incorpóreas que se associam a tais corpos. À luz dessa concepção, o sagrado culto teúrgico guia-se pelo princípio de sacrificar de acordo com a relação do semelhante com o semelhante, estendendo esse critério do ápice até o nível mais ínfimo, [...] concedendo a cada uma a oferenda que esteja em harmonia com sua própria natureza.[17]

 

E novamente: 

Alicerçando-se nessa constatação, bem como descobrindo, por meio das propriedades de cada um dos deuses, os receptáculos que lhes são apropriados, a arte teúrgica reúne, em muitos casos, pedras, plantas, animais, substâncias aromáticas e inúmeras outras criaturas sagradas, perfeitas e divinas, e com tudo isso, forma um receptáculo integral puro. Portanto, não é correto recusar e desprezar toda matéria, mas apenas àquela que é estranha e desvinculada dos deuses.[18]

 

No que concerne a teurgia – que influenciou o pensamento ocultista da magia ocidental a partir do Medievo e Renascimento – a simpatia trata-se do elo mediador através do qual naturezas semelhantes se atraem, posto que Proclo (412-485 d.C.) diz: 

Os especialistas nos assuntos sagrados, começando com a Simpatia conectando as coisas visíveis umas com as outras e com os Poderes Invisíveis, e tendo um entendimento de que todas as coisas podem ser encontradas em todas as coisas, estabeleceram a Ciência Sagrada. [...] Em suma, os homens sábios da antiguidade trouxeram, juntos, [...] os Poderes Divinos para esse lugar mortal, tendo-os atraído pela Similaridade: pois a Similaridade é poderosa, permitindo unir as coisas umas às outras. Por exemplo, se um pavio que foi aquecido de antemão é colocado sob uma lamparina, não muito longe da chama, você perceberá isso acendendo mesmo sem ser tocado pela chama, pois a transmissão da chama ocorre para baixo. Por analogia, você pode considerar que o calor já existente no pavio corresponde à Simpatia entre as coisas, e isso sendo trazido e colocado abaixo da chama corresponde à Arte Sagrada fazendo uso de coisas materiais no momento certo e da maneira correta. A transmissão da chama é como a presença da Luz Divina com aqueles capacitados a participarem dela e a iluminação do pavio é análoga tanto da deificação dos mortais quanto da iluminação de substâncias materiais.[19]

 

Ruan Carlos de Sena sumariza assim: 

Dentre os variados símbolos materiais que compõem a cadeia (seirai) solar, encontram-se exemplares notáveis, tais como a pedra-do-sol, a flor de lótus, o girassol, além de penas de galo e outras representações. Com efeito, a pedra-do-sol exibe de maneira majestosa a reverberação dos raios solares emanados pelo fulgurante astro-rei, ao passo que a flor de lótus, desvelando-se em graciosos desdobramentos e recolhimentos de suas pétalas, compõe, solenemente, hinos de louvor ao Sol, tal qual o galo, em todas as auroras, entoa cânticos e odes à entidade solar. Por outro lado, dentre os símbolos que emanam uma aura lunar, o destaque é, certamente, conferido à selenita, a certas ervas e, quiçá, ao próprio sangue menstrual. Pois, como proclama Proclo, a selenita, ao sabor das fases lunares, altera «tanto suas marcações quanto suas formas e padrões», alinhando-se com os ritmos cósmicos da lua. Acresce ainda mencionar que as seivas de determinadas ervas sucumbem, inegavelmente, à sutil influência gravitacional exercida pela lua, ensejando, dessa forma, uma seleção mais criteriosa de variedades particularmente aptas ao cultivo durante o período de lua crescente. E, ademais, os ciclos menstruais, ainda que desprovidos de uma conexão causal direta com os ciclos lunares, manifestam-se de forma análoga às ciclicidades da lua.[20]

 

Esta aplicação da simpatia, tal como interpretada pelos neoplatônicos, deu à magia ocidental a doutrina das correspondências. A classificação elemental original também passou por modificações e novos desenvolvimentos no Ocultismo moderno. Ela foi ampliada e diversificada em símbolos planetários e zodiacais. No entanto, o simbolismo elemental ainda é a base das classificações mais complexas, que geralmente podem ser reduzidas a termos mais simples, como é o caso da classificação dos grãos, favas, miúdos, frutas, partes de animais e inúmeros elementos associados aos Gangas da Quimbanda, como veremos ainda neste capítulo nas diversas combinações de elementos no feitio dos padês. 

A manipulação das correntes de força ódica na Quimbanda através dos diversos agentes mágicos universais está diretamente associada a doutrina da simpatia. Esse termo, força ódica, foi cunhado como sinônimo de energia vital (o moyo dos bantos ou àṣẹ dos yorùbás) em meados do Séc. XIX pelo Barão Carl von Reichenbach (1788-1869), que buscou demonstrar que se tratava da natureza dos mesmos fenômenos demonstrados anteriormente por Franz Anton Mesmer com o magnetismo animal. Eliphas Levi posteriormente postulou que a força ódica se manifesta como correntes ou fluxos de força (energia) polarizada dentro da Luz Astral, que é a própria Alma do Mundo platônica. Aluísio Fontenelle foi o ocultista brasileiro que trouxe esses conceitos para dentro da Quimbanda na síntese que estabeleceu e deu forma ao culto, estruturando o ambiente mágico da Quimbanda por meio da interação equilibrada da força ódica. 

Como veremos com mais detalhes no Capítulo 15, a Quimbanda opera por meio da interação e do equilíbrio das forças ódicas positiva (ativa, masculina) e negativa (receptiva, feminina) no corpo do Chefe Império Maioral, a luz astral. É através de agentes mágicos universais, os Exus (que representam a potência ativa-masculina), e as Pombagiras (que representam a potência receptiva-feminina), que as forças ódicas são manipuladas para realização do milagre da magia. O equilíbrio dessas forças que hora se opõem e hora se congruem, está em Maioral, a potência andrógena que as aglutina e as manipula.[21] 

É a manipulação de energia (feitiçaria), esses vetores ou correntes de força ódica, que propicia a criação do ato mágico na Quimbanda. No início desse capítulo menciono que quatro são os passos fundamentais para o conhecimento e conversação com o espírito tutelar, neste caso, um Ganga da Quimbanda: i. estabelecer uma comunicação adequada; ii. feitio apropriado das oferendas e sacrifícios; iii. a construção do corpo físico do espírito; iv. operar a magia segundo a natureza peculiar do espírito. Na próxima seção iremos nos debruçar sobre o ponto ii: o feitio apropriado das oferendas e sacrifícios, para os quais a doutrina da simpatia é fundamental.


[1] Nicholaj de Mattos Frisvold. Seven Crossroads of Night: Quimbanda in Theory and Practice. Hadean Press, 2023, pp. 105.

[2] N.A. Molina. Saravá Exu. Editora Espiritualista, 3ª Edição, pp. 15, sem data.

[3] Nicholaj de Mattos Frisvold. Seven Crossroads of Night: Quimbanda in Theory and Practice. Hadean Press, 2023, pp. 106.

[4] Grimorium Verum, 1817. Tradução em Humberto Maggi. Thesaurus Magicus, Vol. I. Clube de Autores, 2010, pp. 438.

[5] Nicholaj de Mattos Frisvold. Seven Crossroads of Night: Quimbanda in Theory and Practice. Hadean Press, 2023, pp. 107.

[6] A noção de que mesmo as partes mais remotas do universo podem corresponder umas às outras através de uma espécie de simpatia secreta, baseada em sua semelhança ou semelhança inerente (similitudo), é extremamente difundida e foi destacada por Antoine Faivre (1934-2021) como a primeira característica intrínseca do esoterismo ocidental. Veja Parte III.

[7] Wouter J. Hanegraaff. Western Esotericism: A Guide for the Perplexed. Bloom Sbury, 2013, pp. 106.

[8] Jâmblico. De Mysteriis. Livro V, Verso 9. Polar, 2024, pp. 283. Essa passagem de Jâmblico por si só resume toda doutrina da simpatia. Sem delongas: semelhante atrai semelhante. A ritualística eficaz se realiza quando as oferendas e sacrifícios são semelhantes, simbolicamente, às características divinas. O girassol e o galo participam, por exemplo, da simpatia dinâmica dos deuses e daimones solares. De igual modo na Quimbanda, ervas e animais adequados aos Gangas, em simpatia dinâmica com eles, são àquelas espinhosas, ácidas, quentes, ardidas, nervosas, picantes etc.

[9] No prelo. A ser publicada em breve.

[10] Para uma introdução concisa na relação que se estabelece entre a Hermética e a teurgia neoplatônica de Jâmblico, veja Kalunga: Teurgia & Cabalá Crioula. No prelo.

[11] Veja Corpus Hermeticum, XII: 8; XIII:17-18; XVI:3.

[12] Veja Corpus Hermeticum, XVI: 5; Logos Teleios, 19.

[13] Veja Corpus Hermeticum, XII: 21; XVI:10-16.

[14] Veja Corpus Hermeticum, XVI: 17-18; Logos Teleios, 3.

[15] Veja Kalunga: Teurgia & Cabalá Crioula. No prelo.

[16] Jake Stratton-Kent. Geosophia: The Argo of Magic. Vol. II. Scarlet Imprint, 2021, pp. 35.

[17] Jâmblico. De Mysteriis. Livro V, Verso 20. Polar, 2024, pp. 299.

[18] Jâmblico. De Mysteriis. Livro V, Verso 23. Polar, 2024, pp. 305. Essa passagem é uma referência de Jâmblico a telestikē, i.e. o feitio e consagração das estátuas animadas. O tema central da minha ontologia Kalunga: Teurgia & Cabalá Crioula (no prelo) é a universalidade das técnicas de magia e feitiçaria, onde estabeleço relações entre a telestikē da Hermética e teurgia neoplatônica, com as tecnologias mágicas de firmezas e assentamentos da Quimbanda. A doutrina da simpatia é fundamental em ambos os casos, de modo que seu desconhecimento invalida todo o processo mágico de feitio e consagração tanto das estátuas animadas da teurgia quanto das firmezas e assentamentos da Quimbanda.

[19] Proclo. Sobre a arte hierática. Citação em: Jâmblico. De Mysteriis. Polar, 2024, pp. 45.

[20] Rua Carlos de Sena. Introdução em: Jâmblico. De Mysteriis. Polar, 2024, pp. 47.

[21] Em sua concepção mítica, a partir da demonologia do Grimorium Verum, essas forças polarizadas são representadas como provenientes de uma fonte: Lúcifer, uma potência andrógena, que projeta duas forças polarizadas, Beelzebuth (a corrente solar masculina) e Ashtaroth (a corrente lunar feminina). Veja Capítulo 15 abaixo.




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