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A MAGIA DA QUIMBANDA #4: A COSMOGONIA

ENTREVISTA VIA ITÁLIA:


 Por Táta Nganga Kamuxinzela

@tatakamuxinzela | @covadecipriano | @quimbandanago 

 

O que segue são as minhas respostas para uma entrevista no YouTube via Itália, canal da La Societa ‘dello Zolfo (@la_societa_dello_zolfo), dia seis de junho de 2024, disponível na íntegra no canal. O objetivo da entrevista foi apresentar a Quimbanda para ocultistas italianos (e europeus de modo geral). Como as perguntas são relevantes também para um público brasileiro, decidi fazer uma versão escrita das respostas, completando a entrevista para o YouTube com detalhes que não me aprofundei ao vivo. 

Vou dividir toda a entrevista em postagens individuais para cada pergunta no blog. O propósito disso é criar postagens com textos pequenos ao invés de uma postagem apenas com o texto extenso, com mais de 40 laudas.

4. Como a cosmogonia é dividida na Quimbanda, eu sei que existem várias linhas desses espíritos e uma linha principal no topo da hierarquia. Você pode descrever pelo menos um casal de Exu e Pombagira com seus caracteres e os pedidos que geralmente são feitos a eles para nos dar uma ideia de que tipo de espíritos eles são? 

Aluísio Fontenelle estabelece em sua síntese de Quimbanda o conceito de reinos, inaugurando dois deles: o Reino das Encruzilhadas e o Reino do Cemitério. A partir desse pontapé inicial, a Quimbanda começa a organizar sua estrutura a partir dessa ideia de reinos, algumas vertentes trabalhando só com dois reinos, como a Quimbanda Malê, que podemos dizer ser a expressão mais fiel da síntese de Fontenelle, outras com nove reinos, como é o caso das vertentes Nàgô e Mussurumin, e outras com sete reinos, como a moderna Quimbanda Luciferiana. 

A cosmogonia na Quimbanda segue, portanto, essa ideia, que vou sintetizar a partir de um artigo publicado na Revista Nganga No. 5, chamado Cosmogonia de Quimbanda Nàgô. A estruturação dos reinos segue tanto o desenvolvimento do planeta quanto o desenvolvimento da consciência humana se adaptando ao planeta: 

A criação do mundo é feita por um ser invisível, por muitos chamados de Nzambi-mpungu, transliterado para o português como Zambi ou Zambiapongo. Esse ser criador de tudo que existe, é inatingível. Estando além da criação, ainda assim, permeando toda ela. Porém de forma indireta, por meio das forças por ele criadas, para que cuidassem de sua criação.

Desta forma, no entendimento da Quimbanda Nàgô, Deus existe! Mas está muito longe e não rendemos culto a ele, sendo impossível admoestá-lo.

Sendo assim, a criação do mundo, para a Quimbanda se dá baseada na criação de seus reinos, que, para a família de Quimbanda Nàgô, são nove: Reino da Terra, Reino das Águas, Reino das Matas, Reino Africano, Reino das Almas, Reino das Encruzilhadas, Reino do Oriente, Reino da Lira e Reino das Trevas.

A cosmogonia estará muito atrelada a nossa própria vivência e ao nosso planeta Terra, dessa forma, o entendimento é restrito a esse orbe.

No princípio dos tempos, após Nzambi-mpungu determinar que houvesse a criação, o planeta Terra era uma esfera de fogo incandescente, girando no espaço, em torno do Sol. Por meio dos seus movimentos, essa esfera de fogo foi se esfriando até se solidificar, dando assim, por origem, o Reino da Terra, o primeiro reino de Quimbanda.

Nesse resfriamento substâncias se vaporizaram e criaram a atmosfera e, no encontro entre os elementos naturais, dá-se uma precipitação em todo o orbe por longura de dias, criando as chuvas. As chuvas escorreram pela terra, formando os lagos, os riachos, os rios, os mares, os oceanos e todos os corpos de água deste planeta. Assim com todo esse corpo líquido formado, origina-se o Reino das Águas.

Com a existência de água, organelas são formadas e começam a evoluir, dando origem às primeiras formas primitivas de vida, como os fitoplanctons, os musgos, a vegetação e toda sorte de árvores, flores e frutos. Com a flora desenvolvida, os organismos mais simples encontram capacidade de se desenvolverem, criando assim as primeiras formas de vida microbianas, bacterianas e, por consequente, todos os animais que habitavam esse mundo. Assim se forma o Reino das Matas.

Dentro das matas surge um animal diferente, dotado de intelecto, capaz de criar ferramentas e se aperfeiçoar na obtenção de alimento e na sua própria sobrevivência. Esses indivíduos, começam a surgir onde hoje é o continente africano. Sendo assim, o Homem surge do Reino Africano, que possui uma estreita relação com o Reino das Matas.

O homem aprende que a morte é ilusória, sendo visitado por seus ancestrais e pelos seres divinos. Dessa forma, se conectando ao plano astral e espiritual. Por meio da interação com aqueles que já se foram do plano material, cria-se o Reino das Almas.

Com seu intelecto avançando e com a sabedoria advinda dos mortos, o homem obtém mais comida, abrigo e evolui, começando a crescer e se multiplicar, gerando diversas possibilidades para toda a humanidade, assim é gerado o Reino da Encruzilhada, onde mais de um caminho se encontra.

A encruzilhada é o encontro dos caminhos, mas a capacidade de trilhar esses caminhos só se desenvolve com o próximo reino, o Reino do Oriente. O homem aprende a se movimentar e expandir, cada vez mais para longe. Cria rotas de comércio, indo e voltando, trocando bens e criando o conceito de troca ou de dinheiro.

Com essa expansão, desentendimentos e guerras ocorrem pela posse de lugares, direitos, poderes e pessoas. Assim, temos criado o Reino das Trevas, onde o homem compreende que pode usar os poderes ocultos da feitiçaria, para se defender e para atacar.

Com a civilização constituída, música, filosofia, teatro e todo tipo de cultura e entretenimento, se tornam parte da vida do homem. Esses interesses afloram em toda humanidade e, cada vez mais, são ferramentas para a expressão das ideias dos homens. Nesse momento, surge a política, as cidades, a urbanização e os campos de deleites e prazeres nas zonas noturnas, portuárias e marginais. Este é o Reino da Lira se formando, onde encontramos todos os tipos de artes e boemia.

Com os nove reinos formados, a Quimbanda se completa, as almas ocupam seus postos em cada um dos reinos, conforme suas aspirações e naturezas. Elas voltam para nosso meio, fazendo uso da mediunidade, para nos trazer aconselhamento e proteção. Retornam ao mundo dos mortos, onde atuam como dirigentes de grandes ordens de espíritos. Desse modo, se dá o intercâmbio entre as naturezas de homens e espíritos, que permeiam toda a humanidade.

Esse é o surgimento dos Reinos da Quimbanda, dentro da visão da Quimbanda Nàgô. Um entendimento muito mais filosófico e atrelado à evolução do planeta e da humanidade, do que simplesmente definir os pontos de força da natureza.

 

Dentro destes reinos se distribuí a hierarquia dos Exus e Pombagiras, que herda profunda influência da hierarquia infernal do Grimorium Verum. Eu falei dessa relação entre a hierarquia de espíritos na Quimbanda e na demonologia europeia, a partir das influências neoplatônicas de Jâmblico, na Revista Nganga No. 5. No topo da hierarquia se encontra o Chefe Império Maioral, o Diabo, Absoluto na Quimbanda, constituído de uma Trindade Infernal ou Trindade do Oposto: Lúcifer, Beelzebuth e Ashtaroth. Abaixo destes estão os Exus primordiais, i.e. os Chefes-Generais das Nações (ou vertentes) e, sob estes, uma miríade de Exus falangeiros distribuídos em linhas ou povos, a depender da vertente. Algumas vertentes sincretizam diretamente os Exus com os espíritos (demônios) do Grimorium Verum, outras o fazem indiretamente. Na Quimbanda Nâgô esses espíritos estão sob a autoridade dos Exus, da mesma forma que uma deidade ctoniana comanda uma miríade de espíritos da natureza ou mortos. Na Quimbanda Mussurumin os demônios estão também sob a autoridade dos Exus, mas indiretamente, quer dizer, em um trabalho a parte conhecido como Cabalá Europeia, adjacente ao trabalho com os Exus. Na Quimbanda Malê os espíritos são os próprios demônios (na verdade djins), travestidos de Exus, sendo totalmente fiel a estrutura delineada por Fontenelle. 

Dois Exemplos de Exus: 

EXU PANTERA NEGRA

Demônio associado: Clauneck

Palavra-chave: Totens, sabedoria, ancestralidade, regência, medicina, feitiçaria.

Positivo: Atua trazendo conhecimentos esotéricos e medicinais, são grandes líderes e feiticeiros. Atuam como combatentes à espíritos negativos.

Negativo: Podem causar a perda de tudo, promovem guerra, conseguem envenenar lentamente os indivíduos alvos.

Firmeza: Vela Preta-e-Vermelha e Verde-e-Preto, normalmente água ou whisky e charutos de boa qualidade.

Oferenda: Padê composto de farinha de mandioca com cachaça, com carne suína (javali de preferência) frita em azeite de dendê, com milho torrado no azeite de dendê e cebolas roxas por cima em rodelas. Regando tudo com azeite de dendê. Acrescente também a firmeza, sendo sete o número chave, sete copos com água ou whisky, sete charutos e sete velas pretas-e-vermelhas ou outras que o Exu aceite.

 

POMBAGIRA RAINHA DAS 7 ENCRUZILHADAS

Demônio associado: Astaroth

Palavra-chave: Caminhos, possibilidades, acordos

Positivo: Caminhos abertos

Negativo: Caminhos fechados

Firmeza: Vela preta-e-vermelha, Marafo Amarelo ou Whisky estilo Tennessee como o Jack Daniels e charutos de boa qualidade, com capa clara.

Oferenda: Padê de farinha de mandioca misturada com marafo branco ou amarelo, sete bistecas de porco e sete bifes bovinos selados no azeite de dendê. Coloca-se batatas inglesas assadas cortadas em rodelas em cima da farofa e rega-se tudo com azeite de dendê. Acrescente também a firmeza, sendo sete o número chave, sete copos com whisky, sete charutos e sete velas pretas-e-vermelhas.




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