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ASHTAROTH É MAIORAL NA QUIMBANDA

 

Por Táta Nganga Kamuxinzela

@tatakamuxinzela | @covadecipriano | @quimbandanago

 

Nota: este texto é uma postagem para o Instagram como resposta para pergunta de um seguidor em caixa: Ashtaroth estaria mais próxima da figura de Ártemis ou Cibele? Segue a elucidação.

No terceiro volume do DAEMONIUM, eu demonstro que a Quimbanda é a goécia brasileira. Menciono que a fonte mítica primitiva da goécia como tradição viva está nos mitos dos antigos deuses «bárbaros» do Mediterrâneo e Oriente Médio, que se infiltraram por miscigenação cultural e moldaram os deuses greco-romanos. A goécia como tradição viva alimenta toda a magia ocidental. Cibele, Ártemis e Astarte são antigas deusas cujos mitos estão na base e influenciaram toda cultura, religião e magia do Ocidente. Por exemplo, o feminismo como movimento social é uma tentativa de resgate do «matriarcado radical» religioso do antigo culto de mistérios a deusa frígia Cibele, que se espalhou por todo Mediterrâneo, e foi proeminente no mundo greco-romano. O «princípio feminino» era reverenciado ao ponto dos homens que participavam do culto serem emasculados. Para reverenciar Cibele o homem tinha de se castrar. Miticamente, portanto, Cibele é a Natureza rude e indomável, selvagem e caçadora. Como Mãe, ela aparece entronada ao lado de dois leões, e dá nascimento a um touro, não a uma criança humana. Cibele, portanto, é a Mãe selvagem, muito diferente da imagem materna carinhosa da mãe cultivada no imaginário ocidental desde o triunfo do cristianismo. Cibele era representada como uma Montanha inescapável, porque ela a tudo continha e dela nada escapava. Existem Pombagiras que em seus traços e comportamento, incorporam as virtudes de Cibele, como a Pombagira Maria Quitéria, Pombagira Maria Navalha e Pombagira Cacurucaia, a bruxa velha. Eu falei mais sobre esses mistérios no texto Origens Míticas da Goécia, disponível no blog deste site. 

Ártemis, tal qual Cibele, é uma deusa bárbara que representa a Natureza selvagem; mas diferente de Cibele que é a mãe adulta e experiente, Ártemis é a jovem caçadora impiedosamente indomável, senhora das feras (pótnia therón). Ésquilo lhe chamou de dama da montanha selvagem. Ela compartilha com Cibele todas as suas virtudes selvagens e irascíveis de um feminino indomável. Posteriormente os gregos desenvolveram novos ciclos míticos, tentando aproximar Ártemis de Afrodite e outras deusas-mães. 

Ashtaroth na Quimbanda é a mesma Astarte dos cananeus! Diferente de Cibele, a Natureza selvagem, Astarte era a Natureza fecundada. Nos seus ciclos mitológicos Astarte, a Lua, copulava e era fecundada por Baal, o Sol. 

Nos mitologemas que alimentam o culto de Cibele, derivados da era dos caçadores do paleolítico, a Lua morre no Sol e o touro é golpeado pelo leão. A Lua é um símbolo arquetípico cósmico do ritual de sacrifício; o touro, animal que representa a própria Lua, é sacrificado no fogo (representante físico do poder do Sol, mas também do fogo do ventre) na Terra. Por esse motivo os mortos eram enterrados ou cremados. Estes mesmos signos aparecem de forma distinta nos mitologemas do culto de Astarte, oriundos da reforma de valores provocada pela agricultura e a descoberta do arado, onde o Sol quente, masculino, fecunda a Terra (ou a Lua) fria, feminina, portanto, fértil; uma hierogamia mítica de cópula sexual, morte e ressurreição. É esse ciclo mitológico arcaico que alimenta a teologia da Quimbanda, derivada direta do Grimorium Verum, onde Beelzebuth (Sol) fecunda Ashtaroth (Lua). Em uma postagem no Instagram, O Táta, a Mameto & o Corpo de Exu, menciono: 

Na teogonia da Quimbanda, inspirada na teologia goécia do Grimorium Verum, Lúcifer é um espírito andrógeno que manifesta dois espíritos hipostáticos: Beelzebuth, o princípio masculino-solar, e Ashtaroth, o princípio feminino lunar. Juntos, em hierogamia, Beelzebuth e Ashtaroth procriam tantos os Gangas quanto os Reinos da Quimbanda.

O rito imita o mito, materializando fisicamente a realidade transcendente. Quando um Táta e uma Mameto operam juntos na construção dos corpos físicos dos Gangas da Quimbanda, o «fundamento» de Exu, o Táta emula o princípio solar-fálico hipostático, plantando a semente na terra. A Mameto, de igual modo, emula o princípio lunar-vúlvico hipostático, gerando a semente plantada, dando nascimento, o fundamento de Exu.

 

No imaginário daquele período do Mundo Antigo, a fertilidade da mulher passou a refletir a fertilidade da própria terra, sendo solidárias, portanto, uma a outra. Os mistérios das colheitas refletiam os próprios mistérios da criação; estes eram, por sua vez, mistérios religiosos guardados pelo milagre do feminino. Na medida em que os mitologemas se atualizavam, o homem, i.e. o princípio masculino, passou de nenhuma proeminência a um papel fundamental no equilíbrio regenerativo das forças do Cosmos. Assim como Baal e Astarte regeneravam continuamente o Cosmos, na teologia da Quimbanda Beelzebuth e Ashtaroth renovam continuamente os fluxos e refluxos que alimentam os diversos ciclos dentro dos Reinos da Quimbanda. Essa teologia é prática. Cada kimbanda acessa esse poder, essa corrente mágica, na medida em que compreende as chaves de acesso que cada um dos reinos nos oferece. 

Ashtaroth, um princípio ou força lunar-fértil-feminino, é Chefe na Quimbanda, em hierogamia com Beelzebuth, um princípio ou força solar-fecundador-masculino, dentro do Mistério Sem Nome representado por Maioral, o Diabo. Eu falei mais sobre isso no texto Beelzebuth é Chefe na Quimbanda, disponível no blog deste site.




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