Por
Táta Nganga Kilumbu
@quimbandamarabo
| @tatakilumbu
Quando falamos sobre quem vem a ser os Exus, sabemos que são divindades da Quimbanda, mas que aparecem também como convidados em outros cultos ancestrais afro-brasileiros. São almas de mortos deificados, que desceram até o Submundo (catabáse) e ascenderam (anábase) glorificados no Inferno, o mundo dos mortos. Trata-se da mais pura e genuína necromancia (leia-se nigromancia) tradicional brasileira. Diferente de Èṣú òrìṣà, que dá seu nome ao arquétipo do Povo de Exu no imaginário brasileiro.
Importante: estamos falando de almas ancestrais, de forças que nos antecederam e que se divinizaram nas fileiras de Exu, servindo como guerreiros do Chefe Império Maioral. Um feiticeiro fraco, medroso, ressentido e manipulável, não chegará ao estado deificado no pós-vida, não será coroado um Exu, porque a fórmula mágica de deificação da alma na Quimbanda é a fórmula mágica clássica do Herói: depende de força, honra, lealdade e notoriedade. É por isso que dizemos haver uma legião de kiumbas (almas derrotadas) se fazendo passar por Exus (almas glorificadas).
O mito luciférico do herói grego Faetonte, filho de Hélio (o Sol), é um dos poucos que explica a fórmula mágica do Sol no Submundo, que caracteriza a jornada catabática no mundo dos mortos. Faetonte, visita o Palácio solar e vê que, na noite, o Sol adentra o Submundo da terra. Esse simbolismo implica não as dualidades da manifestação da terra, mas do próprio ciclo misterioso do Sol. Tanto que Faetonte, ao pedir a carruagem do Sol (Hélio) para fazer essa viagem, causa revolta entre os deuses, e por isso é morto por Zeus. Para os gregos esse mito diz que o Submundo é perigoso aos homens e até aos deuses, e que apenas o Sol é capaz de ali descer e sair em segurança. Assim, a jornada catabática no Submundo dos mortos implica que aquele que desce seja como um Herói-Sol, capaz de ascender glorificado.
Os Exus da Quimbanda são os Heróis glorificados do Submundo. Alegar que suas fileiras são compostas apenas por uma parcela da sociedade no além-vida, é no mínimo um sofisma vexatório! Ser a contra-mão de alguma coisa, uma corrente ideológica, sistema ou dogma religioso etc., não significa ser contra-tudo ou contra-o-todo. Você não precisa concordar com algo para ser ou para estar, imediatamente, em oposição declarada a coisa em si. Em verdade a teogonia da Quimbanda é composta por almas de diversas origens, das mais pobres aos mais ricos sim: advogados, Juízes, Médicos, Feiticeiros, Militares, homens de vida comum, desde os ricos e poderosos aos mais podres e batalhadores.
Cada deidade da Quimbanda é singular nesse detalhe. Você poderá encontrar um Exu Capa Preta que em vida fora um juiz, e por isso sua especialidade continua sendo nas causas judiciais e nas disputas, enquanto de outro lado teremos um outro Exu Capa Preta que em vida fora um assassino, e isso não desmerece nem um e nem o outro, não teremos um maior que o outro, afinal, todos servem ao mesmo propósito Capa Preta, Exu e Maioral, com sua carga ancestral para guiar os seus cuidados aqui na terra. Fato que era tão comum antigamente, Exu não tinha que ser isso ou aquilo: ele era quem realmente era, independente se agradasse ou não aos chefes do terreiro, ele era Exu. Esqueçam pureza; brasileiro não é puro: somos o povo da diversidade, e assim é o exército de Maioral, que surge em solo nacional.
É cada estória que inventam: que para ser Exu somente alma de criminoso, assassino, ladrão e malfeitor. Isso não reflete a natureza ou escopo total dos espíritos da Quimbanda. Na verdade, esse panteão de contraventores é singular de vertente. Pois as bandas mais antigas, Exu como o Diabo estava em todos os locais da sociedade, entre ricos e pobres, entre defensores da lei e criminosos; se ele é ancestral, não tem barreiras para sua origem. E por isso não estão errados os sacerdotes (ou não) que ao se deparar com tal discurso começam a rejeitar ou mesmo bater de frente com tal fala, pois realmente não condiz com a totalidade dos espíritos do nosso culto.
A Quimbanda é um culto que
absorve os espíritos deificados de nossa sociedade; por mais que tenha ele
tenha se iniciado com espíritos de sacerdotes, sacerdotisas e adeptos de cultos
religiosos africanos (kimbandas, mulojis e ndokis bantos),
indígenas (pajés e xamãs) e europeus (bruxas, bruxos, benzedeiros e magos), e
que de certa forma em tempo colonial poderiam ser considerados escórias da
sociedade, mas também eram especiais para os seus, e conseguiam atingir
diversas classes, onde víamos padres fazendo bruxaria, autoridades políticas
envolvidas com calundus, enfim, estes espíritos foram adentrando todas as
classes. Aquele que exalta o Exu-Bandido deveria ao menos pensar, que sim, ele
existe, mas existe também o Exu-Militar, o Exu-Juíz, entre outros, assim como
em nossa sociedade material existem pessoas plurais. Agora um fato
interessante: imagina se essa alma bandida fosse o espírito de um homem o qual
violentou e matou o filho de você adepto que agora o cultua, continuarias o
cuidado e amor por este espírito? Complicado né! Só é bonito, romântico
quando a tragédia é na vida alheia.