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O CHEFE IMPÉRIO MAIORAL

 

 

Por Táta Nganga Kamuxinzela

@tatakamuxinzela | @covadecipriano | @quimbandanago 

 

A qual comida, disse e confessou, que lhe fedia muito a enxofre e alcatrão; e nas mesas estavam por candeias umas tochas como cabos de cordas alcatroadas com breu e alcatrão que davam um negro, escuro e fedorento lume. E na cabeceira da mesa estava assentado o seu maioral em sua cadeira de espalda negra, com um roupão com capuz frisado e, às vezes, o tinha tosado muito negro e uma barba muito comprida; e como rei o adoravam e obedeciam todos os outros e o serviam de joelhos e na mesa serviam muitos daqueles malignos espíritos.[1]

 

O excerto acima data de 1559; trata-se da descrição de um banquete diabólico fornecido à Inquisição de Portugal, e é nele que pela primeira vez o termo maioral é utilizado para descrever o Diabo como rei do inferno pelas feiticeiras ibéricas e pelos escribas do Santo Ofício. Nessa descrição qualquer um que conhece os toques secretos da Quimbanda reconhecerá traços peculiares ao culto: o enxofre, o cheiro de alcatrão na fumaça do tabaco, o breu utilizado em muitos feitiços, a iluminação pelo fogo (tochas), a mesa com as comidas ou oferendas, o trono e a presença do Diabo. Tudo isso nós encontramos nos toques de Quimbanda, regados à cachaça, pólvora, música, transe e sangue, o sabbath brasileiro das bruxas, a festa dos feiticeiros. Por isso a Quimbanda tem sido reconhecida como a bruxaria tradicional brasileira. 

Como o Chefe da Quimbanda, Maioral o Diabo aparece pela primeira vez na obra de Lourenço Braga de 1942: Umbanda & Quimbanda: 

Todos os espíritos da Lei de Quimbanda possuem luz vermelha sendo que o chamado «Maioral», conhecido no catolicismo como Satam, Satanaz, Diabo, Capeta, Lúcifer, Príncipe do Fogo, Tinhoso, Anjo do Mal, etc. possui uma irradiação de luz vermelha tão forte que nenhum de nós suportaria sua aproximação.[2]

 

Em Lourenço Braga o Chefe Império Maioral, o Diabo, se apresenta revestido de todos os significados que o catolicismo popular lhe atribuía na época, incluindo a ideia de Lúcifer[3] como um anjo caído. Mas é somente com Aluízio Fontenelle que Maioral é enriquecido ao ponto de se tornar o que ele hoje é, tradicionalmente, para Quimbanda. 

Fontenelle i. conectou a ideia de Maioral segundo Lourenço Braga ao conceito de Baphomet delineado pelo ocultista francês do Séc. XIX, Eliphas Levi (1810-1875); ii. também sincretizou os Exus mais conhecidos da época aos demônios de um grimório do Séc. XVIII conhecido como Grimorium Verum e, a partir dali, os Exus da Quimbanda foram completamente demonizados, sendo tratados indiscriminadamente hora como almas de mortos deificados, hora como demônios. 

De importância fundamental é compreender o que Eliphas Levi chamou de luz astral e como ela se associa a imagem teriomorfa de Baphomet. Porquê dessa compreensão depende o entendimento da fórmula mágica da Quimbanda. 

Do magnetismo animal de Franz Anton Mesmer (1734–1815), Levi deriva a ideia de luz astral ou agente mágico universal, associado as ideias rosacricianas do Séc. XVII acerca da penetração dos raios estelares (i.e. que vêm dos astros) nas fibras orgânicas, alterando sua natureza oculta. Em 1766, em sua tese de doutorado, De influencia planetarum in corpus humanum, Mesmer postulou a existência de um fluido invisível espalhado por toda parte. Ele serviria como veículo para a influência mútua que os corpos celestes exerceriam entre si, a Terra e os corpos animados – daí a expressão magnetismo animal. Mas longe de se espalhar na forma específica que Mesmer tentou conferir a ele, o magnetismo animal logo pôde ser visto operando em várias direções, influenciando não só a ideia de luz astral de Eliphas Levi, mas também os passes e os transes mediúnicos do espiritismo de Allan Kardec (1804-1869) no contexto de sua disseminação na Europa e no Novo Mundo.[4]

De acordo com uma das ideias mais difundidas no pensamento alquímico, a matéria contém uma luz ou um fogo invisível cuja natureza é a mesma da Palavra que criou a Luz no primeiro dia da Criação. Esse princípio ígneo está situado a meio caminho entre o mundo natural e o mundo suprassensível, e ele tem sido utilizado para interpretar a ideia platônica da Alma do Mundo e se diversificou em inúmeros temas como a luz astral. 

Correspondendo a essa luz ou fogo invisível existe uma contraparte terrestre, que Levi chama de fluido terrestre, que é o Grande Agente Magnético [...] saturado com todos os tipos de imagens e reflexões.[5] Em outras palavras, a luz astral é um ambiente mágico protoplasmático, plástico, no sentido de ser o meio onde imagens podem ser magicamente impressas. O operador da magia pode manipular imagens, dissolvê-las, coagula-las, projetá-las etc. É um espelho de toda imaginação e todas as imagens. [...] A luz astral reage ao próprio sistema nervoso. [...] Pode assumir todas as formas evocadas pelo pensamento e, nas coagulações transitórias de suas partículas radiantes, aparece aos olhos; pode até oferecer uma espécie de resistência ao toque.[6] 

A luz astral era em essência, ensinava Levi, a alma física dos quatro elementos: terra, ar, fogo e água, cuja sujeição por um quinto agente, que é a Vontade, é simbolizada pelo pentagrama. O pentagrama então se torna um glifo de poder sobre os espíritos elementais quando o signo é empregado com compreensão, ou seja, quando a vontade é dedicada à sua soberania. Isso é o que se entende pelo mago regerando o universo.[7] 

Para Levi a magia é o poder sobre si mesmo, o meio de dirigir à vontade. Para que isso aconteça de forma eficaz, e para evitar que o magista seja expulso de seu curso, é necessária uma disciplina essencial: equilíbrio e harmonia. O magista está lidando com as correntes opostas de força ódica dentro da luz astral e que mantêm unidas a dinâmica do cosmos manifesto. O equilíbrio entre luz e escuridão, positivo e negativo, requer a compreensão de um importante princípio dos polos opostos, caracterizados como masculinos e femininos. Foi assim, pensando nisso, que Levi apresentou ao mundo a imagem teriomorfa de Baphomet. 

A imagem de Baphomet é um símbolo para androgenia (veja nota de rodapé sobre Lúcifer acima), para reconciliação dos opostos. Muito embora ela tenha sido diretamente associada ao Diabo da Igreja, o que Levi chegou a contestar, enfatizando que a Igreja havia perdido o arcano mágico do Diabo, do qual a imagem era a chave de interpretação, pois a imagem, como ele a concebia, é um símbolo de domínio e maestria: a resolução dos opostos em uma unidade superior, pertencente ao estado do Homem antes da Queda na dualidade, manifestação e decadência. A Chama entre os Chifres da cabeça de Bode é a flama da inteligência, a luz mágica do equilíbrio universal das forças do Cosmos, e representa a alma que conquistou sua apoteose para além da matéria. O pentagrama em sua cabeça é de ponta para cima e, como vimos, representa à vontade sobre os impulsos dos instintos e a luxúria dos desejos. A sua mão direita aponta para a Lua Branca de Chesed (misericórdia), e sua mão esquerda para a Lua Negra de Geburah (severidade/justiça), demonstrando o equilíbrio entre os fluxos-pilares da Árvore da Vida e a harmonia de todas as forças dentro do Cosmos. No braço-fêmea está escrito Solve (separar), e no braço-macho está escrito Coagula (dissolver), dois princípios alquímicos de transformação (morte). No peito, vemos seios de mulher e pelos de homem. No lugar da genitália está o Caduceu de Mercúrio, um símbolo para o poder de equilíbrio entre as forças de oposição no Cosmos. As asas de Baphomet representam o conceito alquímico de volátil, que permite a mudança de um estado para o outro no processo alquímico. 

Então, para olhos não iniciados, Baphomet é um monstro. Para o iniciado – um glifo para a assunção do Homem sobre todas as suas faculdades ocultas, capaz de exercer na luz astral soberana a sua vontade, o poder do homem-monstro sobre si mesmo pelo processo da iniciação. É uma imagem para um objetivo e, portanto, é progressiva. Por uma lei persistente do paradoxo, o belo parece a princípio monstruoso, já que a bruxa na mitologia é revelada como a donzela. A verdade não vem ao mundo nua, mas vestida de tipos e imagens. Baphomet é um símbolo baseado na ideia da esfinge, uma quimera: metade animal, metade humana, o que significa que não é nenhuma das duas, mas uma Forma para uma Ideia Sem Forma que, como veremos adiante, representa o Mistério Sem Nome que é o Chefe Império Maioral, e que influenciou profundamente a fórmula mágica da Quimbanda. 

Nos escritos de Fontenelle vamos encontrar o mapa onde ele une o Maioral de Lourenço Braga ao Baphomet de Eliphas Levi: 

A Entidade Máxima [do Mal], denomina-se «MAIORAL», tendo ainda outros denominativos, tais como: Lúcifer, Diabo, Satanaz, Capêta, Tinhoso, etc., etc.[8] Lúcifer mostra toda a sua supremacia como AGENTE MÁGICO UNIVERSAL.[9] Considerando Satanaz como o grande agente mágico empregado para as práticas do mal, pela sua vontade perversa de criar uma força puramente sobrenatural, é o dominador da Magia Negra em todas as condições que regem os destinos da humanidade, que se debate na inconsciência de obter para si o domínio daquilo que possa existir além da vida comum.[10]

 

Nessas passagens retiradas de duas obras de Fontenelle revela-se toda a fórmula mágica da Quimbanda. Para entendermos isso devemos retornar aos escritos de Eliphas Levi que influenciaram a visão que Fontenelle tinha da magia associada aos Exus e a natureza da Quimbanda.[11] Se referindo a Baphomet, Levi o identificava como: 

O grande agente mágico, a dupla corrente de luz, o fogo vivo e astral da terra.[12] [...] É o fogo eterno da vida terrestre; é a Alma do Mundo e a lareira viva do inferno. Dizemos que a Luz Astral é o receptáculo das formas. Evocadas pela razão, essas formas são produzidas em harmonia, evocadas pela loucura, tornam-se desordenadas e monstruosas. [...] Quando invocamos o Diabo com as cerimônias exigidas, o Diabo vem e nós o vemos.[13]

 

Antes de Levi, o eminente ocultista Cornélio Agrippa (1486-1535) já havia mencionado em sua magna obra, Três Livros de Filosofia Oculta, que a Alma do Mundo – que Levi chama de luz astral – trata-se uma força cósmica impessoal sobre a qual é possível o mago imprimir a sua vontade, daí o receptáculo das formas.[14] Quer dizer, trata-se de um meio onde qualquer tipo de criação é possível através da manipulação das correntes mágicas de força ódica, i.e. a energia vital, o moyo dos bantos ou o àṣẹ dos yorùbás, o magnetismo animal de Mesmer. Eliphas Levi desenvolve a essa ideia, atribuindo a luz astral ou Baphomet um poder cego e moralmente neutro: Já dissemos que o Diabo não é uma pessoa. É uma força [...], uma corrente ódica ou magnética.[15] 

Como se trata de uma força cega impessoal, Levi postula que ao homem comum esse poder desencaminha e leva ao erro, daí o Diabo na Magia Negra é o Grande Agente Mágico utilizado para fins do mal por uma vontade perversa;[16] então ele apresenta a luz astral, o agente mágico universal, a Alma do Mundo ou Baphomet como uma nova alegoria para a condução de seres vilmente instintivos por forças cegas que podem colocar em movimento a má vontade e o erro.[17] Isso significa que todos têm o poder de manipular a luz astral; o homem torpe e ignorante não tem conhecimento disso, e devido as suas inclinações passionais, torna-se o catalisador de uma torrente maligna de força ódica no mundo, criando a partir da luz astral todo tipo de ignorância, erro ou crime, porque ela reage aos impulsos nervosos do homem. 

Aluízio Fontenelle entendeu muito bem isso e trouxe essa ideia da impessoalidade da luz astral para a Quimbanda, que a partir daquele período, portanto, tornar-se-ia um sistema de feitiçaria cujo objetivo é manipular habilmente essa força. No entendimento de Fontenelle, entretanto, «fazer o mal» por si, a soldo ou movido por sentimentos como a inveja, cobiça, vingança etc. é o que caracteriza em essência a Quimbanda.[18] Daí que Fontenelle afirma ser o agente mágico universal empregado para as práticas do mal por àqueles que desejam obter poder e domínio das forças sobrenaturais que estão para além da vida material, na intenção de manipular seus eventos por motivos mesquinhos e torpes. O mal, portanto, trata-se do trabalho feito, da demanda encomendada, do feitiço de amarração etc. Soldo: a Quimbanda nasce como um sistema de feitiçaria cujo objetivo é manipular as correntes de força ódica da luz astral, o corpo de Maioral, na intenção de resolver todo e qualquer tipo de mazela que aflija o ser humano. Então na Quimbanda: 

[...] Lidamos com o fantasma de todos os terrores, o dragão de todas as teogonias, o Ahriman dos Persas, o Tifon dos egípcios, a Piton dos gregos, a antiga serpente dos hebreus, [...] a grande besta da Idade Média e, pior ainda, o Baphomet dos Templários, o ídolo barbudo dos alquimistas, o obsceno deus de Mendes, o bode do Sabbath. [...] Todos os iniciados nas ciências ocultas adoravam, ainda adoram e sempre adorarão o que é simbolizado por este símbolo aterrorizante.[19]

 

A Quimbanda & o Aperfeiçoamento da Arte de Fazer Magia 

Esse é um lema que sempre ensino, e ele é técnico: a Quimbanda se trata do aperfeiçoamento da arte de fazer magia. Em Aluízio Fontenelle não apenas Maioral, o Lúcifer e Exu Rei, é o agente mágico universal; os Exus também são agentes mágicos universais[20] que tanto podem fazer o bem quanto o mal.[21] Na Quimbanda, são os Exus os agentes que manipulam a força ódica, a substância magnética e altamente volátil da Luz Astral, o corpo de Maioral. Essas correntes de força que os Exus são capazes de manipular à vontade têm caráter, quer dizer, qualidade ou vibração peculiar, são fluxos ou torrentes de energia mágica distribuídos e organizados nos Reinos da Quimbanda. 

Do òrìṣà Èṣú da cultura yorùbá o Exu da Quimbanda herda a virtude do movimento, da multiplicidade, do dinamismo e da comunicação. O òrìṣà Èṣú está em toda parte porque ele dá movimento a própria ordem do cosmos, dinamizando todos os processos cosmológicos. Èṣú é ainda o agente que possibilita a comunicação entre o homem e as diversas deidades que existem no cosmos, encarregado da entrega de todas as oferendas (ẹbọ) ofertadas ou realizadas em nome dos òrìṣà ou dos ìrúnmolè. 

Imbuído, portanto, das virtudes do Èṣú òrìṣà, o Exu da Quimbanda passa a ser o agente mágico que possibilita o kimbanda a imprimir sua vontade na luz astral, o Corpo de Maioral. Assim como Èṣú òrìṣà leva até as deidades as oferendas (ẹbọ) dos homens, de igual modo o Exu da Quimbanda leva a tensão mágica produzida pelo kimbanda em um feitiço ou oferenda até o Corpo de Maioral, manipulando suas correntes de força mágica. 

Em sua jornada de iniciação, i.e. o caminho do Noviço ao Mestre, o kimbanda aprende as técnicas de manipulação das correntes de força ódica que são oferecidas pelo sistema da Quimbanda.



[1] J.P.O. Martins, citado em Humberto Maggi. O Diabo. Clube de Autores, 2022, pp. 194-195.

[2] Lourenço Braga. Umbanda & Quimbanda. EDC, 1942, pp. 26. O vermelho é uma cor tradicionalmente associada ao deus egípcio Set, ancestral do Diabo cristão. Os inúmeros templos modernos de satanismo e luciferianismo utilizam o vermelho em suas cerimônias, assim como a Quimbanda, representando o próprio ambiente mágico do culto. E é importante ter em conta, desde já, que a primeira descrição de Maioral como aqui observamos, tem um pano de fundo cristão. Quando chega na Quimbanda, o Diabo vem colorido pela cosmovisão cristã, simbolizando uma força de oposição ao cosmos da Umbanda, algo que se cristalizou somente no trabalho de Aluízio Fontenelle.

[3] Lúcifer é uma deidade muito importante na Quimbanda. Assim como os conceitos de Baphomet, Diabo e agente mágico universal em Aluízio Fontenelle vêm de Eliphas Levi, a própria ideia de Lúcifer também. Como veremos, Eliphas Levi equipara o Diabo, Satanás e Lúcifer, o anjo de luz caído, a uma agência cega, uma força cósmica moralmente neutra. Fontenelle traz a Quimbanda esse Lúcifer de Levi, ao ponto dele ser completamente expresso pela autoridade espiritual de Exu Rei: Sua majestade Lúcifer ou Exu Rei, é dono e senhor das Trevas. Considerado pela sua falange como o «Absoluto», é quem domina o reino da terra. (Aluízio Fontenelle. Exu. Gráfica Editora Aurora, 1954, pp. 103.) O Absoluto na Quimbanda, portanto, é Lúcifer, o que está em sincronia com sua posição no Grimorium Verum. No sistema hierárquico dos demônios no Grimorium Verum, Lúcifer é a primeira emanação sendo, portanto, uma potência andrógena, da qual emanam duas outras potências: Beelzebuth (macho) e Ashtaroth (fêmea). Existe um consenso em que a iconografia de Maioral como Baphomet na Quimbanda costuma representar à unidade dos três Maiorais: Lúcifer, Beelzebuth e Ashtaroth. Vamos entender isso: seguindo a própria ideia da hierarquia das emanações no Grimorium Verum, a unidade da Trindade Infernal é simbolizada por Lúcifer, o pai de todos os demônios. Como um andrógeno ele simboliza o equilíbrio alcançado pela união dos contrários macho e fêmea. Essa figura andrógena na alquimia medieval era tão importante que representava a própria ideia de Grande Obra, que Eliphas Levi associou também a Baphomet. Na Quimbanda, Lúcifer como Exu Rei representa essa potência andrógena e a incorporação total da Trindade Maioral.

[4] A grande promulgadora das influências espíritas no Brasil é a FEB – Federação Espírita Brasileira, fundada em 1884, que teve dentre seus presidentes (1895) Adolfo Bezerra de Menezes. A FEB é a mais influente federação no que se tange o espiritismo e publicou as obras de Chico Xavier, que trariam a popularidade ao espiritismo. Entretanto muitos acusam a FEB de não seguir completamente os ditames espíritas por não respeitar o CUEE deixado por Kardec. CUEE é o Controle Universal dos Ensinamentos dos Espíritos, método desenvolvido por Allan Kardec para diminuir a influência do médium nas comunicações espirituais. A FEB também publicou no Brasil o grande antagonista de Kardec em seu tempo, Jean Baptiste Roustaing, autor de os 4 Evangelhos, que os espíritas mais ortodoxos creditam ser uma obra escrita por espíritos das trevas, se contrapondo a Kardec. Desta forma, muito do pensamento espírita brasileiro foi formado a luz de Chico Xavier e pouco sobre Allan Kardec e a sua codificação, sendo os textos produzidos de Chico Xavier com metodologia muito parecida com a de Roustaing em sua obra, a escolha de um único médium para transcrever uma obra completa (o que contrapõe o CUEE). Dentre as polêmicas e cisões encontradas no movimento espírita, encontramos também a criação da Aliança Espírita Evangélica, fundada em 1973 por 8 casas espíritas a princípio, mas que é de interesse geral, por conta de Edgard Armond. Edgard Armond foi o grande responsável pela implementação da metodoliga de passes espíritas dentro dos centros espíritas. Apesar da prática já ser corrente desde o começo do movimento espírita, ela era baseada nos estudos de Mesmer, que era uma figura de interesse de Allan Kardec. Entretanto a forma como o passe hoje é aplicado, com suas qualidades, técnicas, duração e manejos, é algo formulado por Edgard Armond e os seus trabalhadores.

[5] Eliphas Levi. Dogma e Ritual de Alta Magia. Pensamento, 2017, pp. 139.

[6] Ibidem.

[7] Ibidem.

[9] Aluízio Fontenelle. Exu. Gráfica Editora Aurora, 1954, pp. 93.

[10] Aluízio Fontenelle. Umbanda através dos Séculos. Editora Espiritualista Ltda, 1952, pp. 246.

[11] Aluízio Fontenelle. Exu. Gráfica Editora Aurora, 1954, pp. 229-30.

[12] Veja o livro Ganga: a Quimbanda no Renascer da Magia para um aprofundamento sobre a relação que se estabeleceu entre o Maioral da Quimbanda e o Baphomet de Eliphas Levi.

[13] Eliphas Levi. Dogma e Ritual de Alta Magia. Pensamento, 2017, pp. 132.

[14] Ibidem, pp. 147. É possível ver na descrição do Diabo em Eliphas Levi muita influência do Iluminismo e do Romantismo do fim do Séc. XVIII. Por exemplo, a noção de energia criativa em William Blake (1757-1827) que tanto representa a corporeidade quanto a força ígnea que vem do inferno e, portanto, fonte do verdadeiro mal, parece ter influenciado a noção de agente mágico universal em Eliphas Levi.

[15] Formas aqui vem do grego eidos e simboliza a causa primeira de todas as coisas; na modernidade costumamos utilizar a ideia ou conceito de forma arquetípica ou simplesmente arquétipo, quer dizer, a coisa primeira da qual deriva toda a multiplicidade das formas sensíveis. Em Platão essas formas arquetípicas derivam do Plano das Ideias, nos cultos arianos hiperbóreos derivam do Mundo Híper-Urano, i.e. acima do céu.

A Alma do Mundo também é a fonte de todas as outras almas: [...] todas as almas que vagam ao redor do Mundo provém de uma única Alma, a Alma do Todo. Corpus Hermeticum, Cap. X, Verso 7. Aqui Mundo é sinônimo de Cosmos material, cuja fonte é também a Alma do Mundo. Donald Tyson comenta em sua edição da Filosofia Oculta de Agrippa: No centro do corpo do mundo o Criador colocou a alma, que é mais velha que o corpo. Isso é evidente, uma vez que a alma governa o corpo e o Criador jamais permitiria que o mais jovem dominasse o mais velho. A alma se difunde de um modo especial por todas as partes do mundo, e também pelo «ambiente exterior dele», e é feminina, a amante do corpo do mundo. Veja Cornélio Agrippa. Três Livros de Filosofia Oculta. Madras, 1998, pp. 907. Essa qualidade feminina da Alma do Mundo é potência genitora de tudo o que existe materialmente, sendo, portanto, um meio adequado a todo e qualquer tipo de criação mágica.

[16] Eliphas Levi. Dogma e Ritual de Alta Magia. Pensamento, 2017, pp. 246.

[17] Ibidem, pp. 147.

[18] Ibidem, pp. 246. Essa agência neutra, impessoal e amoral da Alma do Mundo em Eliphas Levi está em sincronia com a Hermética. No Corpus Hermeticum (Cap. X, Verso 10), Hermes fala acerca da natureza do Cosmos, que não está separado da Alma do Mundo, repositório de todas as formas que nele se encontram: O Cosmos não é, na verdade, mau, mas também não é bom, como Deus é bom; pois é material, e sujeito a perturbação. No Timeu, Platão expressa essa mesma ideia quando diz que a Alma do Mundo é a fonte do bem e do mal. Está presente nesse desenvolvimento da Alma do Mundo ou Luz Astral em Eliphas Levi a própria ideia dessa força como o movimento potencial de todas as coisas. Isso nós encontramos também em Platão, que define a Alma do Mundo como: primordial surgimento e movimento de tudo o que existe, existiu ou existirá, bem como de todos os seus opostos, uma vez que ela se revelou como a causa universal de toda mudança e movimento. Platão. Leis (Livro X, Verso 896, Edipro, 210, pp. 413-14). É interessante notar que essa qualidade da Alma do Mundo como fonte do movimento de todas as coisas seja compartilhada com o Èú da cultura yorùbá, e que por sua vez a transferiu ao Exu da Quimbanda. Todas essas ideias foram concentradas e agrupadas na codificação do culto da Quimbanda, e estão presente no Brasão Imperial de Maioral. Veja próxima seção.

[18] Humberto Maggi. O Diabo. Clube de Autores, 2022, pp. 196.

[19] Eliphas Levi. Dogma e Ritual de Alta Magia. Pensamento, 2017, pp. 303.

[20] Aluízio Fontenelle. Exu. Gráfica Editora Aurora, 1954, pp. 229.

[21] Ibidem, pp. 105. 




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